Viagem de Biselli Katchborian decola em aeroporto e pousa em clube

Protagonistas da última edição do ano do ciclo de palestras da PROJETO, ARQ!BACANA e MCB, dupla que há três décadas comanda escritório exibe trabalhos em três escalas e revela segredos militares.

Mario Biselli e Artur Katchborian (Foto: Fábia Mercadante)

 

A “decolagem” que os arquitetos Mario Biselli e Artur Katchborian se preparavam para fazer em 2010 quando participaram do consórcio que construiria o terceiro terminal do aeroporto de Guarulhos, SP, foi abruptamente abortada quando, em 2012, o governo federal o privatizou. A concessionária vencedora da concorrência deixou de lado o projeto já bastante avançado e contratou uma empresa do exterior para desenvolver um outro – embora funcional, o resultado arquitetônico da edificação depois construída não se mostra à altura da importância do aeroporto que fica na região metropolitana de São Paulo.

Foi com essa história de frustração – o termo é do próprio arquiteto – que Mario Biselli deu início, na noite de quarta-feira, 25 de outubro, à sua apresentação no ciclo de palestras promovido pela revista PROJETO, portal ARQ!BACANA e Museu da Casa Brasileira (MCB) – a conversa encerrou as apresentações deste ano. Biselli divide com Katchborian a liderança do escritório Biselli Katchborian Arquitetos e Associados, estúdio que, em 2017, completou 30 anos de fundação e acumula em seu currículo obras de diversas tipologias e variadas escalas, razão do título da palestra: Arquitetura em Três Escalas.

A interrupção da “decolagem” se deu em Guarulhos, mas o brevê do estúdio para “pilotar” projetos de terminais aeroporturários ocorreu em 2004, quando o escritório venceu o concurso para a ampliação do aeroporto Hercílio Luz, em Florianópolis, cuja construção ficou paralisada por anos. Biselli contou ao público que estava preparado para nova frustração – o aeroporto da capital de Santa Catarina também foi concedido à iniciativa privada no primeiro semestre de 2017 –, mas a Zurich Airport AG, que venceu o leilão de concessão procurou o escritório para, aproveitando parte das fundações já construídas, reprojetar o conjunto. “Tivemos sorte”, avaliou o arquiteto.

Outro projeto dessa mesma tipologia no qual o escritório está envolvido foi citado por Biselli no MCB: trata-se da ampliação (ainda em fase incipiente de desenho e configurações) do aeroporto Presidente Juscelino Kubitschek, em Brasília. Biselli discorreu sobre as complexidades desse tipo de projeto e falou também do grande número de profissionais necessários para trabalhar nesses conjuntos e da imprescindível organização empresarial. No caso do terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos, relatou Biselli, cerca de 30 profissionais chegaram a estar simultaneamente envolvidos no trabalho.

Antes de ter conhecido a apresentação dos projetos aeroportuários, a plateia soube que Biselli e Katchborian se conheceram em um quartel do exército. O primeiro fora convocado para prestar o serviço militar na unidade onde o atual sócio servia (servir ao exército era e continua sendo uma expressão presente entre os jovens que se aproximam dos 18 anos) e ocupava uma patente mais alta: a de tenente. Na mesma época, ambos eram alunos de arquitetura da FAU/Mackenzie. Katchorian não confirma, porém não desmente a história relatada a ele por Biselli. Quando este o procurou para dizer que também cursava arquitetura, o tenente Katchborian teria reagido: “E daí?”.

Para direcionar o foco da conversa para o tema habitação, Biselli recorreu a um croqui de Le Courbisier e a explicações teóricas sobre propriedade, térreo em pilotis e a distorção no Brasil do conceito desse espaço – embora seja adotado em edifícios residenciais, o pilotis está, quase sempre, cercado. Em seguida, deu exemplos de como tem conseguido propor em projetos dessa natureza – um conjunto de edifícios concluído em Heliópolis, comunidade carente da zona sudeste de São Paulo, e o complexo habitacional/cultural/comercial (em obras) na região da Luz, central – e ter aceitas alternativas ao modelo preponderante de torres isoladas da vida urbana.

O conjunto de Heliópolis, informou Biselli, tomou como base as quadras europeias. No conjunto paulistano, as construções foram posicionadas no perímetro do lote e o miolo é ocupado por um pátio – passarelas metálicas suspensas acima desse espaço fazem a conexão entre os edifícios. “O espaço interno é muito bem utilizado”, contou o arquiteto. Um pórtico em concreto voltado para a avenida Juntas Provisórias assinala a principal entrada do condomínio. No complexo da Luz, o escritório venceu um concurso fechado realizado pela Canopus, empresa que venceu a primeira Parceria Público Privada para a construção de moradias na capital paulista.

A Escola Caritas, em São Mateus, na zona leste de São Paulo, a reformulação do Colégio Cristo Rei, na Vila Mariana, zona sul paulistana, e o Centro Educacional Unificado (CEU) Pimentas, em Guarulhos, SP, foram os três projetos de edificações educacionais apresentados na palestra – entre eles, Biselli revelou ter um especial carinho pela edificação de Guarulhos: uma extensa praça coberta (são quase 300 metros do início ao fim do conjunto) sob a qual estão acomodadas tanto as salas de aulas como agradáveis espaços de convívio. Essa obra recebeu, em 2010, o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA).

Em tese, pertenceriam a menor escala os projetos de residências que foram, a seguir, exibidos por Biselli. Seria, porém, correto classificar dessa forma uma moradia de 1.500 metros quadrados? A ampla casa fica na região metropolitana de São Paulo e tem um caráter quase monumental – internamente, uma escada helicoidal à moda de Niemeyer e uma viga passarela são os dois elementos principais presentes no espaço de estar/convívio. Um aspecto curioso da trajetória do escritório no segmento residencial – e que Biselli também não sabe explicar o motivo – é o bom número de casas projetadas na capital paranaense.

Antecipando o que pode se transformar em obras nos próximos anos e encerrando sua participação, Biselli mostrou perspectivas eletrônicas do projeto para as futuras áreas de bem-estar do Clube Pinheiros – o escritório venceu um concurso fechado para o projeto. Já na conversa que se seguiu, perguntado por um dos participantes sobre o que ainda faltava projetar, Katchborian preferiu brincar, revelando seu clube de coração: “Falta reformar a Vila Belmiro”, afirmou, referindo-se ao estádio Urbano Caldeira, em Santos, SP, de propriedade do Santos Futebol Clube.