(Foto: Manuel Sá)

Palacete das Artes expõe ‘Dell’Architettura: a presença italiana na paisagem soteropolitana’

Até o próximo 9 de outubro, a exposição fotográfica, promovida pelo Istituto Italiano di Cultura do Rio de Janeiro, visa lançar luz sobre a produção de artistas, profissionais da construção civil e tantos outros que contribuíram para modernizar a cidade de Salvador (BA) - é ainda mais representativo que esta exposição se materialize no Palacete Catharino, obra símbolo dessa produção

Nas três primeiras décadas do século passado, a paisagem soteropolitana foi transformada de forma indelével por um grupo de imigrantes italianos: engenheiros, arquitetos, construtores, decoradores, pintores e escultores, oriundos das mais diversas regiões italianas, da Calábria à Toscana, da Basilicata ao Lácio, do Piemonte à Sicília.

Estes personagens tiveram um papel fundamental na modernização urbana de Salvador, contribuindo para a difusão de uma nova linguagem arquitetônica: o Ecletismo. Caracterizada pela profusão de ornamentos tanto nas fachadas quanto nos interiores, contrastando com a vetustez dos sobrados coloniais que ainda predominavam em Salvador, o Ecletismo foi, como observa o pesquisador italiano Luciano Patetta, a primeira expressão arquitetônica a ter alcançado uma verdadeira difusão global, disseminando-se por contextos tão distintos quanto as capitais dos novos países independentes da América do Sul, como Rio de Janeiro, Buenos Aires e Montevidéu; as então colônias inglesas, francesas, holandesas e portuguesas na África e na Ásia; ou ainda as nações orientais que começavam a se abrir para o Ocidente, como o Japão e a Turquia.

 

 

(Fotos: Manuel Sá)

 

A arquitetura eclética concilia referências a diversos estilos arquitetônicos do passado, muitas vezes em um mesmo edifício, com bastante liberdade e fantasia. Para Gustavo Rocha-Peixoto, “a atitude eclética […] corresponde à acomodação de várias referências no tempo. Variando ou mesmo mesclando ‘tempos’ históricos diferentes, procurava-se produzir uma arquitetura ‘fora do tempo’.”

No Brasil, o Ecletismo é a arquitetura dominante no período da República Velha (1989-1930) e, como registra Paulo Ormindo de Azevedo, “está indissoluvelmente associado ao surgimento de uma burguesia urbana ligada ao aumento das exportações e importações, à ampliação dos serviços e do comércio e instalação das primeiras indústrias, em consequência da inserção do Brasil no mercado mundial. Não se pode separar também o novo estilo da reforma urbana realizada em algumas capitais do país, notadamente Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém e da imigração europeia, bem como da abolição da escravatura, que pôs em xeque não só os sistemas construtivos tradicionais, como o funcionamento dos serviços urbanos e domésticos”.

 

(Foto: Manuel Sá)

 

O Ecletismo também incorporou à arquitetura, pela primeira vez, sofisticados elementos de ferro e vidro fabricados na Inglaterra, Bélgica, Alemanha, França ou Estados Unidos, como podemos observar, por exemplo, na monumental escadaria do Palácio Rio Branco ou na elegante marquise lateral do Palacete do Comendador Bernardo Martins Catharino.

 

 

(Fotos: Manuel Sá)

 

Dentre estes personagens, os primeiros italianos a chegar a Salvador foram artistas, como o escultor Pasquale De Chirico, natural de Potenza, e o pintor florentino Oreste Sercelli, que aqui aportaram, vindos de São Paulo, por volta de 1905 para trabalhar na reconstrução da antiga Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus, a convite do engenheiro Theodoro Sampaio, diretor da obra. Os profissionais da construção civil, por sua vez, somente começaram a se instalar em Salvador no início da década de 1910: Battista Rossi em 1911, proveniente do Rio de Janeiro; Alberto Borelli no ano seguinte, vindo de São Paulo; Filinto Santoro em 1913, após trabalhar no Rio de Janeiro, Vitória, Manaus e Belém. Esses profissionais eram chamados de “arquitetos”, embora apenas alguns, como Santoro e Giulio Conti, tivessem formação em engenharia e a maioria não possuísse nível superior, sendo, na realidade, capocantieri ou capomastri, o equivalente aos nossos mestres-de-obras.

A obra que assinalou o início deste processo em Salvador é o palacete do Comendador Bernardo Martins Catharino, atual Palacete das Artes. Para projetá-lo, o proprietário trouxe, da então capital, o “Architecto Constructor” Battista Rossi, que se consolidaria como o projetista preferido da nova burguesia baiana. Santoro, por sua vez, foi o autor das principais obras públicas das décadas de 1910 e 1920.

 

(Foto: Manuel Sá)

 

Outros projetistas e construtores italianos atuantes em Salvador neste período, como Alberto Borelli, Giulio Conti e Michele Caselli, são personagens dos quais se dispõe de pouquíssima informação. Não se sabe se residiam aqui ou em outras capitais, de que região da Itália procediam e, em muitos casos, nem mesmo se tinham alguma formação acadêmica.

Esta exposição fotográfica, promovida pelo Istituto Italiano di Cultura do Rio de Janeiro, visa lançar luz sobre a produção dos Santoro, Rossi, Conti, Borelli, De Chirico, Rebecchi, Caselli e tantos outros que contribuíram para modernizar nossa cidade e cujos traços ainda marcam a nossa paisagem urbana. E é ainda mais representativo que esta exposição se materialize no Palacete Catharino, obra símbolo dessa produção.

Nivaldo Andrade, curador

 

Dell’Architettura: a presença italiana na paisagem soteropolitana
Local
Palacete das Artes
Endereço Rua da Graça, 284, Graça, Salvador, Bahia
Visitação 10 de agosto a 9 de outubro de 2022
Horário terça-feira a sábado, das 13h às 18h
Entrada gratuita
Classificação livre
Fotos Manuel Sá
Expografia Rodrigo Sena