Novo livro de Sérgio Magalhães defende mudança de olhar a cidades brasileiras

Publicada pela editora Rio Books, a obra “Reinvenção da Cidade - Interação, Equidade, Planeta” ressalta os principais desafios dos espaços urbanos contemporâneos, sugere caminhos para enfrentá-los e defende o coprotagonismo das cidades no desenvolvimento do país. Com lançamento oficial no último mês de março, convidamos os leitores à leitura da entrevista exclusiva com Sérgio Magalhães

Capa do novo livro ‘Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta’ (Imagem: Divulgação)

 

“Toda cidade precisa de uma ação coletiva para ser reinventada e adequada às exigências do século XXI, especialmente em um mundo pós-pandemia”. Esta é a defesa do novo livro “Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta”, do arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães, lançado oficialmente no último 18 de março, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, onde estiveram presentes os arquitetos Luiz Carlos Toledo, Indio da Costa, Luiz Fernando Janot, Celso Rayol, Denise Pinheiro Machado, Norma Taulois, além do jornalista Ruy Castro, o economista Mauro Osório, a presidente da Fiocruz Nisia Trindade Lima, o diplomata Marcílio Marques Moreira, o deputado Otavio Leite e mais.

A obra, que conta com apresentações de Zuenir Ventura e Luiz Fernando Janot, discute alguns dos principais desafios dos espaços urbanos brasileiros na busca de cidades menos predatórias e desiguais, e mais democráticas, inclusivas e sustentáveis. Ao longo do texto, o autor elucida o caso do Rio de Janeiro, como cidade metropolitana icônica, que concentra atributos, contrastes, carências e potencialidades formadoras da identidade nacional.

 

Sérgio Magalhães no lançamento oficial do livro ‘Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta’ (Foto: Divulgação)

 

Um dos maiores nomes do urbanismo contemporâneo brasileiro, Sérgio Magalhães foi presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), entre 2012 e 2017, e do 27º Congresso Mundial de Arquitetos (UIA2021RIO). O arquiteto, que ocupou o cargo de Secretário Municipal de Habitação do Rio de Janeiro (1993-2000), foi o responsável pela concepção da Política Habitacional da cidade, que inclui o Favela-Bairro, programa implementado em 155 favelas do Rio de Janeiro. Vencedor de premiações nacionais e internacionais, incluindo cinco prêmios anuais de projeto concedidos pelo IAB, o Prêmio América de Arquitectura e o prêmio espanhol FAD 2012 em reconhecimento ao Favela-Bairro, Sérgio é professor no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da FAU/UFRJ.

Em seu quinto livro, que também será lançado em inglês, o autor expõe uma visão urbanística acerca das consequências sociais, políticas e econômicas associadas ao pouco cuidado com as nossas cidades, que ocupam o posto de maior patrimônio material nacional e maior artefato da cultura. A obra defende o coprotagonismo das cidades como ferramenta de desenvolvimento do país, opondo-se à hegemonia do debate econômico que vem caracterizando as últimas décadas.

 

Lançamento oficial do livro ‘Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta’ (Foto: Divulgação)

 

Sérgio ressalta que a pandemia do coronavírus evidenciou a interrelação entre economia, política, cultura, clima, planeta e espaço urbano, sem subalternidades, e que as cidades precisam ser tratadas à luz desta dimensão estratégica.

 

O livro pretende ajudar a colocar na pauta política e na demanda da sociedade a compreensão de que não haverá desenvolvimento do país sem a qualificação das cidades e sem a universalização dos serviços públicos urbanos, sendo condições essenciais para um futuro melhor. Desenvolvimento nacional e desenvolvimento urbano são interdependentes. Por muito tempo, nós temos abandonado as nossas cidades, mas precisamos reconhecer que elas são o lugar da educação, da saúde, do trabalho, do conhecimento, da inovação, e que, nelas, vivem 85% dos brasileiros”, discorre Magalhães..

 

O arquiteto constrói seu novo livro a partir de três conceitos estruturadores de uma cidade à altura das exigências do século XXI: a interação, a equidade e a sustentabilidade. O primeiro é no sentido de valorização das trocas sociais, de compreensão da diversidade e da antissegregação; o segundo se dá por meio da universalização dos serviços públicos com qualidade e do atendimento a todos os estratos sociais. já o terceiro diz respeito ao planeta, no que concerne à relação indissociável entre a vida humana, a natureza e as condições climáticas. Além disso, ultrapassando a linha do estudo crítico, ainda que indispensável, o livro elenca proposições urbanísticas capazes de auxiliar a busca pela implementação de programas em acordo com os três conceitos base.

 

A palavra ‘reinvenção’ é claramente forte, mas poderá ser apropriada como sinal mobilizador para uma mudança indispensável. Precisamos olhar para o nosso ambiente de vida, as potencialidades das cidades e o tema urbano como pauta política urgente”, destaca Sérgio.

 

Sérgio Magalhães no lançamento oficial do livro ‘Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta’ (Foto: Divulgação)

 

Como estudioso e profissional dedicado às nuances arquitetônicas, urbanísticas, naturais, históricas, culturais e socioeconômicas do Rio de Janeiro, Sérgio Magalhães também escolheu a capital carioca como a grande protagonista de seu novo livro. Isso porque, para o autor, essa cidade metropolitana evoca o que há de mais desafiador e, ao mesmo tempo, de mais inspirador para uma completa reinvenção, cumprindo um papel de referência para o Brasil.

Entre os problemas do Rio evidenciados ao longo da obra, o urbanista ressalta graves equívocos urbanísticos, como, por exemplo, o abandono e a redução do papel do Centro histórico e a ocupação de áreas cada vez mais afastadas. Em relação aos possíveis caminhos de enfrentamento, o autor propõe o debate sobre um novo desenho institucional para a cidade metropolitana, à altura de sua importância e representatividade para o país.

O livro traz, ao final, a Carta do Rio, documento resultante dos debates promovidos ao longo do 27º Congresso Mundial de Arquitetos, que teve a cidade como sede em 2021. O caminho é o da esperança: esta é uma defesa do sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, expressa em relação à possibilidade de as forças do bem saírem vitoriosas no pós-pandemia. No livro, Sérgio Magalhães a utiliza para convencer o leitor de que esta é uma boa alternativa.

 

Entrevista exclusiva com Sérgio Magalhães

São elencados três pontos-chave para que se alcance a melhoria urbana – interação, equidade e sustentabilidade. Então, pode-se dizer que é uma reestruturação – ou como se afirma, uma “reinvenção” – de modo de vida, de consciência; portanto, essa “nova substância” injetada no extrato social, em massa, seria um pivô a ser refletido na própria cidade (como um espelho), para enfim alcançar a tal reinvenção urbana. Gostaria que comentasse sobre essa engrenagem.

Esse é o grande desafio. O que fiz é uma contribuição para que a cidade brasileira possa corresponder aos nossos tempos com mais igualdade, atenção ao planeta, preservando sua condição existencial como local para interação, e que possa constituir, tão logo, uma pauta política, para que seja tratada convenientemente – coisa que não tem sido.

Pelas condições de hoje, em que 85% da população brasileira mora em cidades – são mais de 170 milhões de moradores urbanos -, nas cidades há desigualdade gritante em infraestruturas, serviços públicos, equipamentos, moradia, onde tudo se reflete tão fortemente na redução da potencialidade do país (e das pessoas). Então inserir a questão urbana na pauta política brasileira, a mim me parece ser essencial. O livro tem essa enorme pretensão: ajudar a alertar para a necessidade de construí-la.

O livro também tem a humildade de considerar que o que ele está apresentando é algo pequeno, em face desse grande desafio, pois, além das três principais partes do livro, conforme citado, gostaria de destacar que, na minha compreensão, o Brasil, que está patinando há décadas, e cujo desenvolvimento é muito menor que o necessário para inseri-lo no contexto contemporâneo mais justo e compatível com suas dimensões continentais, vai continuar patinando, se não der atenção grande ao seu sistema de cidades.

No livro chamo atenção para o fato de que, há décadas, estamos subjugados pela hegemonia financeira, e para muitos que veem a desigualdade de renda crescer, é dado como condição para o desenvolvimento de cidades o crescimento da economia – o que a pandemia, ou a crise financeira de mercados de 2008, demonstrou que não é verdade. Então é interdependente a saúde, a economia, a política, a cultura, a cidade, o planeta. Todos eles se intercomunicam e é desta comunicação respeitada que se pode chegar a uma solução adequada aos nossos tempos.

 

Então somos os “organismos vivos” das cidades, mas ao mesmo tempo, ela também passa a ser. A proposta de ação coletiva claramente é evidenciada como uma porta para o efeito irradiador, isto é, a partir de mudanças em determinada cidade, passa-se a irradiar tais alterações em demais – ofertando, inclusive, o “co-protagonismo das cidades como ferramenta de desenvolvimento do país”. No caso do livro, o Rio de Janeiro é escolhido como laboratório. Gostaria que discorresse sobre essa força expressiva do RJ no território nacional – e internacional.

O Rio de Janeiro é um foco importante no livro, porque eu moro e tenho minha vida profissional aqui, portanto tenho inclusive mais conhecimento. Mas também porque o Rio é uma síntese das grandes cidades brasileiras e, de certo modo, apresenta desafios que as grandes cidades dos países em desenvolvimento têm pelo mundo – ou seja, não é simplesmente uma avaliação provinciana, pelo contrário, ela tem a capacidade de representar em muito o sistema urbano.

As cidades em geral, sobretudo as grandes, no caso brasileiro, estão muito aquém do que poderiam desempenhar para o bem-estar das pessoas e do coletivo. Conforme você identificou, nós somos seres vivos, mas a cidade também é, e a cada dia sendo construída detém possibilidades incomensuráveis para que as pessoas e os grupos sociais possam se desenvolver. Mas para isso precisa ser cuidada, ter acompanhamento no cotidiano – ela nunca fica pronta, e os problemas nunca estarão totalmente equacionados. Portanto há uma situação de permanência que, de certo modo, não condiz com a nossa experiência histórica, porque o Brasil tem muito de “produzir e esquecer”, e isso não é recente – Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro ‘Raízes do Brasil’, alerta sobre a construção e o abandono de fazendas já no tempo colonial. E as cidades têm esse mesmo diapasão: constroem-se, consolidam-se e vão sendo abandonadas, em benefício de áreas novas.

Aqui no Brasil é mais evidente, porque o crescimento demográfico, a partir de meados do século XX, deu-se de modo exponencial – quatro vezes mais em seis décadas; e o crescimento urbano muito mais expressivo. O aumento de domicílios foi ainda maior, e tal expansão representou certo “progresso” para as cidades. Hoje temos uma consciência mais precisa, isto é, sabemos que o crescimento demográfico está estável, mas mesmo a população compondo famílias cada vez menores, o número de domicílios continuará crescendo desproporcionalmente – o que nos coloca em atenção redobrada para com a cidade. Ou seja, se não houver uma reinvenção desse modo de ocupação urbana, vamos expandir a miséria, continuaremos construindo cidades com infraestrutura inadequada, com serviços públicos precários, pois não há recursos econômicos financeiros suficientes para manter uma situação dessas.

 

Esse alerta ultrapassa as linhas da identificação e análise crítica para elencar proposições capazes de auxiliar na busca pela implementação de programas na cidade – um ensaio com instrumentos urbanísticos de implementação. É possível citar ao leitor uma dessas proposições contidas no livro?

O livro tem também proposições, porque há possibilidade de melhorar as cidades brasileiras, no curto prazo, e com pouco recurso, desde que haja a compreensão sobre o que estamos enfrentando. Se não tivermos a capacidade de reconhecer o que temos – pois o território urbano brasileiro é de uma riqueza incomensurável, um esforço de duas a três gerações -, não entenderemos o sistema fértil em mãos (com seus pontos positivos e negativos), e não superaremos, nas próximas décadas, as carências enormes que ainda se apresentam.

Então o arquiteto não pode se conter em fazer diagnóstico. Tem que imaginar à frente e ser otimista. Nesse sentido, o livro contém uma dose de esperança, que foi muito inspirada no sociólogo e filósofo de cem anos, Edgar Morin, que, em entrevista concedida ao Le Monde, em 2020, dizia: “Após a pandemia, o mundo terá de se readequar. E vão entrar em foco as forças conservadoras e progressistas”. Conforme ele diz, as “forças do bem” são frágeis, mas um imprevisto pode acontecer, isto é, podem ser vencedoras. Se há essa possibilidade, é nosso dever seguir nesse caminho para buscar uma nova condição.

Inspirado, e como arquitetos que somos, temos de estar insatisfeitos com o que alcançamos e esperançosos em construir um mundo melhor. (Daniela Bueno Elston)

 

 

Reinvenção da Cidade – Interação, Equidade, Planeta
Autor
Sérgio Magalhães
Editora
Rio Books
Páginas
132
Ano de publicação
2021
ISBN
9786587913698
Versões
Português (livro físico, eBook e audiolivro) e Inglês (eBook)
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* Para mais informações sobre livro e autor, acesse www.cidade 21.rio.