(Foto: reprodução National Geographic / Nathaniel Noir, Alamy Stock Photo)

Nota pública repudia alterações em Plano Diretor e Lei de Zoneamento de São Paulo

Entidades alegam que novas proposições são feitas de forma irregular pela Câmara dos Vereadores

Assinada por inúmeras associações, entidades e movimentos organizados, a nota pontua que “está em tramitação na Câmara dos Vereadores de São Paulo o Projeto de Lei (PL 217/2020) que propõe alterar estratégias e parâmetros do Plano Diretor de 2014 e da Lei De Zoneamento de 2016, sob o mote da criação de um Plano Emergencial de Ativação Econômica”.

O conjunto de assinantes afirma que o PL, além de alterar normas urbanísticas sem evidências de impactos positivos na economia, é capaz de acirrar as desigualdades socioespaciais do município aquém das encontradas atualmente: “Se a COVID-19 colocou na pauta do dia esse grande problema da nossa sociedade, os incentivos urbanísticos propostos no PL podem piorar a desigualdade no longo prazo”. Em complementação, pontua-se os aspectos a serem atingidos pelas possíveis modificações em ambos os documentos, apresentando argumentos desfavoráveis sequenciais.

Leia parte do conteúdo:

  • ” Altera o objetivo do plano diretor na zona Eixos de Estruturação da transformação urbana, permitindo unidades habitacionais maiores, reduzindo assim o número de unidades próximas do transporte público e invertendo a lógica da cidade compacta que propõe aumentar a densidade e as oportunidades de moradia perto do transporte público.
  • Permite um número maior de vagas de garagem isentas de pagamento pelo direito de construir na zona Eixos de Estruturação da transformação urbana, onde há ampla oferta de transporte público, contrariando o objetivo de estimular o uso de transporte coletivo e a mobilidade ativa, alterando o plano diretor.
  • Prevê que as Zonas de Estruturação urbana previstas sejam tratadas como eixos de transporte existentes, adensando áreas onde a mobilidade coletiva ainda não é viável, invertendo a lógica do desenvolvimento orientado ao transporte – essência do plano diretor vigente.
  • Institui desconto de 50% no valor final da outorga onerosa do direito de construir para projetos em áreas bem localizadas no município e institui descontos no ITBI para compra de imóveis novos, contrariando os objetivos e finalidades da lei municipal nº 17.335/2020, que prevê medidas de ordem financeira para mitigar frustração de receitas do caixa único do tesouro municipal. A redução da arrecadação municipal reduz a capacidade de investimento da prefeitura em obras que serão necessárias para um plano de recuperação da cidade, em especial dos territórios vulneráveis mais impactados pela pandemia.

O PL propõe esses e outros incentivos urbanísticos de caráter temporário (pelo prazo de 18 meses) mas de efeitos permanentes quando autoriza edificar com índices urbanísticos hoje proibidos, e dar descontos em impostos e contrapartidas — sem futura restituição aos cofres públicos — que incidem sobre a produção imobiliária. A justificativa do PL aponta que as medidas propostas ‘terão impacto direto’ na geração e manutenção dos empregos. entretanto, não há evidências de que a alteração da legislação urbana possa contribuir diretamente para a geração de empregos.

O setor da construção civil reúne o mesmo contingente de trabalhadores que outros serviços como o setor dos trabalhadores domésticos, ou de transporte, armazenagem e correios ou dos serviços de alimentação e alojamento na metrópole de São Paulo, de acordo com a PNAD de 2018. tanto o setor da educação, saúde e serviços sociais, como o setor do comércio, reúnem individualmente mais do que o dobro de trabalhadores da construção civil. Dados do IBGE indicam que alguns setores foram mais impactados pela pandemia do que outros, destacando-se o comércio, com 5 milhões de pessoas a menos. nesse período, a construção civil foi autorizada a manter atividades sem restrições, segundo o regulamento estadual da quarentena.

Diante da maior necessidade e relevância de outros setores frente ao setor da construção civil, o PL não apresenta argumentos consistentes para justificar os benefícios concedidos a esse setor em detrimento dos outros. Quem deve ser priorizado no atual contexto de crise econômica e social? As famílias desamparadas que habitam áreas de alta vulnerabilidade social ou alguns poucos empresários da construção civil?

Além do aumento da desigualdade no longo prazo e da falta de evidências para o aumento de empregos no curto, o projeto de lei, não atende ao interesse público e a coletividade e desrespeita o princípio da gestão democrática. O Projeto de Lei 217/2020 contraria os princípios constitucionais que estabelecem procedimentos para a elaboração e revisão do marco regulatório urbano, que devem ser frutos de um amplo debate com a sociedade, com intensa participação social. no entanto, a tentativa de alterar a legislação urbana antes do prazo estipulado em lei, ausentes os estudos técnicos, a ampla publicidade e a democracia participativa não é novidade, o que reforça o argumento de que os incentivos propostos não atendem ao interesse público diante da crise sanitária e econômica que nos encontramos.

Diante dessas e de outras evidências, as entidades que assinam esta nota repudiam as alterações no plano diretor e na lei de zoneamento e convocam a câmara dos vereadores a suprimir o artigo 12º do projeto de lei 217/2020 ao mesmo tempo que nós colocamos a disposição para dialogar sobre demais medidas.

São Paulo, 13 de julho de 2020”

Nota oficial no portal do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo.

Projeto de Lei (PL 217/2020) na íntegra.