Negado tombamento do complexo esportivo do Ibirapuera

O pedido foi rejeitado pelo Condephaat e tal decisão abre as portas para seguir com o processo de concessão do complexo à iniciativa privada, que prevê inúmeras transformações no local

(Foto: Gabriel Cabral / reprodução Folhapress)

 

Nesta última segunda-feira (30/11), o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) rejeitou o pedido de abertura do processo de tombamento do Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, o Complexo do Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo. O anúncio significa passe livre para qualquer alteração construtiva do conjunto, previsto para ser concedido à iniciativa privada – decisão aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), em 27 de junho de 2019, através da lei estadual 17.099/19.

Após a reunião virtual em que os conselheiros do Condephaat optaram por não seguir com a entrada no processo de estudos para tombamento do ginásio e dos outros equipamentos esportivos situados na área do complexo – aliás,16 votos contra e apenas oito a favor -, foi dada a sequência na elaboração do edital de concessão, em preparo pela gestão João Doria (PSDB), prometida para ser publicada ainda em dezembro deste ano. Sabe-se que, se o caso fosse contrário – ou seja, favorável ao tombamento – a derrubada de edifícios estaria proibida e a concessão do espaço perderia valor aos empresários interessados nesta que se configura como uma das regiões mais valorizadas da capital paulista.

O edital exige investimento mínimo de R$ 220 milhões ao novo concessionário – atualmente, por ano, investe-se R$ 15 milhões no espaço, pontuados, em nota, pelo governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Esportes, como “prejuízos anuais”.

Neste sentido, agora permanece desprotegida a área e passível ao estudo referencial de modificação, que sugere a construção de uma arena multiuso coberta com capacidade para 20 mil pessoas, a transformação do ginásio em shopping center e novas torres comerciais no terreno, incluindo uma de uso hoteleiro.

 

“A Secretaria de Esportes do Estado esclarece que o processo de concessão do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães (Ibirapuera), aprovado pela Alesp com o PL 91/2019, prevê investimento mínimo de R$ 220 milhões para que o local seja modernizado e esteja apto a receber competições esportivas das mais diversas modalidades, atendendo a requisitos de confederações nacionais e internacionais, o que não ocorre no formato atual. Com a concessão, eventos de todos os segmentos também serão ampliados, uma vez que haverá a implantação de uma moderna arena multiuso equipada com a tecnologia plug and play, ar condicionado, poltronas reclináveis e tecnologia em todo o complexo, gerando mais emprego e renda para a cidade de São Paulo. Por sua vez, o Estado também deixa de arcar com os prejuízos atuais do espaço, que somam R$ 15 milhões anuais. A previsão é que o edital seja publicado em dezembro de 2020. Sobre a reunião ocorrida ontem (30/11) no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat), o placar foi de 16 a 8 contra a abertura do processo de tombamento do complexo” [íntegra da nota apresentada pela Secretaria de Esportes do estado].

Posicionamentos e defesa ao complexo

Resumida e assertivamente, a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP) e colunista da Rádio USP, Giselle Beiguelman, afirma ao G1: “Este projeto inclui a construção de uma arena e prevê a demolição de todos os equipamentos esportivos, com exceção do ginásio principal, que seria transformado em centro comercial. (…) Esse é um espaço marcante no conjunto da arquitetura moderna brasileira, fundamental para compreender as arquiteturas para o tempo livre e o lazer. A defesa, portanto, do Ginásio do Ibirapuera e do Complexo Esportivo é também uma defesa do direito ao lazer e das políticas públicas relacionadas ao esporte”.

Em pronunciamento, Ana Lucia Duarte Lanna, Ex-presidente do Condephaat (2013 – 2015), lamenta a decisão, em nota veiculada pelo G1, e pontua a perda da pluralidade arquitetônica e social com as possíveis mudanças almejadas pelo governo e empresários: “Quando o órgão decide abrir o estudo para o tombamento, ele dá uma oportunidade para a sociedade civil debata com seriedade o destino que quer dar àquele determinado prédio ou espaço. Essa decisão açodada não permite que a população reflita sobre o destino de um lugar tão significativo para a cidade, numa área tão central e importante. O projeto do governo paulista tira, principalmente, a pluralidade do complexo, que é uma área onde pessoas de várias classes sociais frequentam e está atrelado à formação de atletas importantes. Com essa concessão, sai a pluralidade e o espaço se transforma em mais um centro de consumo, com shopping e hotel, como se a cidade já não tivesse o suficiente”.

Os nomes de Beiguelman e Lanna também compõem a carta pública aberta comunicada pela FAU-USP que repudia o encaminhamento do complexo. O grupo da universidade é também fundador do movimento “S.O.S Ginásio do Ibirapuera”, que encabeça uma petição on-line, já com mais de 55 mil assinaturas, solicitando a preservação do prédio e contrário à concessão do conjunto à iniciativa privada.

 

Arte produzida para o movimento peticionário (Imagem: reprodução @fauusp)

 

A vitalidade contemporânea do conjunto esportivo pode ser comprovada nas transformações e adequações que foram sendo progressivamente realizadas de modo a adequá-lo às mudanças nas práticas esportivas, nos seus equipamentos e modalidades. As mudanças são prova da resiliência do Conjunto Esportivo na cidade (…). A proposta em curso de transformação do Complexo em equipamento privado alterará de maneira grave e irreversível a sua materialidade. Ela desconsidera a organização dos espaços livres, a excelência e a qualidade de sua arquitetura, o seu papel na memória e na paisagem urbana de São Paulo. A execução de um projeto com tal caráter destruirá parte da história e da memória da cidade, comprometendo também o seu desenvolvimento futuro. Por fim, a preservação deste patrimônio paulistano e nacional iria também ao encontro com as preocupações recentes com preservação ambiental e a sustentabilidade”, afirmam os pesquisadores da FAU-USP.

É também importante ressaltar as mudanças de composição do quadro de representantes do Condephaat nos últimos tempos. Aquele que era composto por 30 conselheiros – dentre eles, 14 cadeiras destinadas exclusivamente a pesquisadores da USP, UNESP e Unicamp -, hoje passa a 24 totais e apenas quatro assentadas por representantes ligados ao setor acadêmico. Sabe-se ainda que o número de cadeiras reservadas aos órgãos governamentais (como secretarias, estatais e Procuradoria-Geral do Estado) passou de 13 para 12 e a empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), representada no conselho até 2019, saiu da lista, assim como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A justificativa, apresentada pela gestão João Doria, para tamanha mudança foi a busca por “tornar o Conselho paritário, ou seja, ter número equivalente de membros do governo e da sociedade civil – o que, por princípio, deveria ser a composição deste e de todos os Conselhos de Estado – garantindo um equilíbrio plural”.

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