Livro “Rio do Futuro” recupera projeto de Sergio Bernardes para a capital carioca

O volume compila textos e desenhos do arquiteto modernista que, previa, ainda em 1965, modificações na cidade baseadas em células comunitárias orgânicas, adensamento por bairros verticais, aproveitamento de vias férreas, novos high-lines e mais

 

Já está à venda o livro “Sergio Bernardes – Rio do Futuro”, da TIX Editora, como obra de recuperação do ambicioso projeto urbanístico (1960) deste reconhecido arquiteto modernista, publicado ineditamente pela revista de maior circulação nacional da época, a Manchete, em número especial de 17 de abril de 1965.

 

O Rio do Futuro, Revista Manchete, número especial, 17 de abril de 1965 | Imagens: Acervo Revista Manchete (1952 – 2007) digitalizado pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 2019. Disponível em Hemeroteca Digital: hbndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital

No projeto, a capital carioca projetada por Bernardes (1919 – 2002) considerava população de mais de 15 milhões de pessoas, que estariam dispostas em bairros verticais e servidas por um sistema de transportes conciliando rodovias, trens e monotrilhos, Ponte Turística como ligação entre o Centro, a Ilha do Governador e Niterói e mais 45 centros culturais espalhados pela cidade.

Nas palavras de Bernardes, “é tarefa do arquiteto traduzir, no espaço e no tempo, o equilíbrio buscado, sem o qual a evolução é massacre de indivíduos, esmagamento da humanidade, degradação e destruição da natureza pelo sacrifício do universal aos interesses particulares”.

A articulação de tais potencialidades urbanas – tocantes aos eixos político, geopolítico, econômico, educacional, turístico, científico, tecnológico, habitacional, cultural, esportivo e de transporte – estão, portanto, compiladas no livro, onde são destacados os desenhos arquitetônicos de Bernardes e equipe, os textos originais redigidos pelo arquiteto, além de ilustrações inéditas produzidas por Ana Borelli (editora de arte e do volume) junto de sua equipe da TIX Editora, e prefácio de Alfredo Sirkis, falecido no último 10 de julho, aos 69 anos, em acidente de carro.

Sabe-se que o planejamento do volume vem de anos e que a publicação aconteceu somente após a morte de Sirkis. Neste sentido, Ana Borelli, esposa de Sirkis, conta que o volume recém-publicado ganhou sentido extra: “Alfredo não chegou a vê-lo publicado. Um mês após sua morte, eu voltei a trabalhar no livro, o que me ajudou naquele momento. Fui percebendo o quanto ele e o Sergio tinham em comum, ambos eram visionários e apaixonados pela cidade. Fico feliz que o Alfredo tenha conseguido ver seus principais projetos implementados, como a malha cicloviária da cidade e as APAs (Áreas de Proteção Ambiental)”, depôs Ana ao O Globo.

Os projetos citados pela editora, por sua vez, integram a vida pública de Sirkis, um dos fundadores do Partido Verde, quatro vezes vereador e uma vez deputado federal. Importante figura, foi também ex-secretário de Urbanismo e do Meio Ambiente, participou da criação da rede de ciclovias da cidade e de um programa de revitalização da Zona Portuária. Para a Borelli, a questão ambiental é mais um ponto que aproxima o Sirkis e Bernardes: “Enquanto na maior parte dos projetos dos anos 1960 a natureza era vista como algo a ser vencido, Sergio já pensava nesta integração. Alfredo dedicou a vida ao tema da ecologia: vivia aquilo, não era marketing político”, continuou Ana para o O Globo.

No prefácio, Sirkis comenta parte das ideias de Bernardes que não saíram do papel, enquanto outras foram implementadas em projetos semelhantes essencialmente – como a Ponte Rio-Niterói, de 1974 -, ou aquelas que ainda permanecem em debate, a exemplo o transporte hidroviário entre Centro e Barra da Tijuca.

Tais propostas urbanísticas ainda são destacadas por Lauro Cavalcanti – autor do livro “Sérgio Bernardes: herói de uma tragédia moderna” (2014) e diretor da Casa Roberto Marinho – como um projeto que “dialogava com as dúvidas sobre as vocações econômicas da cidade após 1960, quando perdeu a condição de capital federal para Brasília”: “Neste projeto, ele pensou não só em soluções arquitetônicas e urbanísticas, mas também em termos econômicos. Ele imaginava que o Rio pudesse se tornar o principal entreposto de comércio do Hemisfério Sul. É ótimo que sua obra [a de Bernardes] venha ganhando cada vez mais visibilidade, e que a gente retome essa ideia de a arquitetura ajudar a pensar a economia da cidade”, finalizou Cavalcanti ao O Globo.