Flávio Villaça © Núcleo de produção acadêmica / PGAU-Cidade UFSC

A revista PROJETO lamenta a perda de Flávio Villaça

O arquiteto e urbanista deixa legado de referência no que concerne, principalmente, à atuação sobre o planejamento urbano atento às questões sociais emergentes na produção do espaço

Nesta última segunda-feira (29/3), a comunidade arquitetônica se despediu de Flávio Villaça, consagrado arquiteto e urbanista reconhecido por uma inteira e longa trajetória profissional dedicada às causas e práticas urbanas. Adoentado há tempos, o arquiteto faleceu em sua casa, em São Paulo, aos 91 anos de idade.

Dentre os mais importantes pensadores do urbanismo no país, deixa legado de exemplo em ética profissional e criterioso olhar para a compreensão e produção das cidades – com suma articulação entre espaço construído, contrastes sociais, perspectivas -, com o qual conduziu a formação de inúmeras gerações de arquitetos urbanistas.

Professor emérito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Villaça foi graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, em 1953, cursou mestrado em Planejamento Urbano pelo Georgia Institute of Technology, em 1958, concluindo doutorado em Geografia (Geografia Física) pela USP, em 1979.

O direcionamento aos estudos e pesquisas na área do urbanismo, com ênfase para as questões voltadas ao planejamento urbano e às questões sociais da produção do espaço nas cidades, estiveram sempre presentes desde os anos em que se seguiram a sua graduação”, ressaltou Maria Cristina da Silva Leme, professora da FAU-USP.

O urbanista integrou ativamente o processo de elaboração de diversos planos diretores, atuando como consultor nas esferas estaduais e municipais de São Paulo. A mente pensante e crítica também originou os títulos referencias de sua autoria: “O que todo cidadão precisa saber sobre habitação” (1986), “Espaço intra-urbano” (2001) e “As ilusões do Plano Diretor”.

Deixamos aqui o depoimento do arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, que relembra com dedicação a essência de Villaça, como pessoa e profissional:

“Perdemos hoje um dos mais importantes pensadores sobre o urbanismo e planejamento urbano, meu querido professor, orientador e amigo Flavio Villaça.

Flavio foi um dos daqueles pesquisadores fundamentais para entender a estrutura urbana das cidades brasileiras, especialmente, de São Paulo. Seu livro ‘Espaço Intra-urbano’ é uma grande referência para todos os que estudam o processo de segregação urbana que caracteriza as cidades capitalistas.

Aprendi muito com ele em mais de quarenta e seis anos de convivência e interlocução intelectual. Foi meu professor na graduação e na pós-graduação da FAU-USP. Ele formou várias gerações de urbanistas e influenciou o pensamento urbano crítico. Nos seus cursos, tive a oportunidade de ler e debater os clássicos da teoria urbana e entender melhor os limites do planejamento urbano. Participou da minha banca de mestrado foi e meu orientador de doutorado, cuja tese resultou no livro ‘Origens da Habitação Social no Brasil’.

Sua dedicação aos orientandos era fabulosa, sempre atento e crítico, contribuindo de forma substantiva para os trabalhos que orientava. Seus ex-orientandos formam uma legião de admiradores.

Em muitas oportunidades debatemos sobre a efetividade dos planos diretores. Nem sempre concordamos. Ele, com seu pensamento crítico e experiência de décadas trabalhando com o planejamento urbano, era cético sobre a possibilidade de planos diretores alterarem o caráter excludente das cidades, enquanto eu defendia que o planejamento urbano participativo e a pressão popular e política poderiam garantir avanços na democratização das cidades. Que, como planejadores urbanos, tínhamos que, ao menos, tentar, articulando urbanismo com a política. Apesar das diferenças, ele sempre me incentivou a trilhar por esse caminho, pois nossos debates, sempre respeitoso, estava baseado nos mesmos princípios éticos e visão de mundo.

Sua integridade, coerência e dedicação à docência e pesquisa fez com que se tornasse um dos mais queridos professores da nossa faculdade. E estará sempre presente, com seus textos e ideias que continuarão a formar novas gerações de urbanistas”.