Thiago Rodrigues, Antonio Carlos e Lula Gouveia (Foto: Gustavo Mendes)

Superlimão

Os dezesseis anos de estrada do Superlimão, tal qual a sua formação societária atual, são uma intensa jornada de experimentação e capacitação profissional, com trabalhos desenvolvidos em diversas esferas da arquitetura. É para a qualificada e estimulante permanência das pessoas nos lugares que se voltam as suas criações, sejam elas de escritórios, restaurantes, bares, lojas, casas, edifícios, materiais, objetos e até mesmo de desenho urbano. Eficiência e criatividade andam lado a lado no escritório, cuja profissionalização decorre da seriedade ao trabalhar com conjunto heterogêneo de clientes: dos empresários em início de carreira à multinacionais e grandes corporações.

Tem Superlimão em empreendimentos residenciais e de uso misto que publicamos recentemente na PROJETO. Torres criadas por FGMF Arquitetos, Angelo Bucci e Héctor Vigliecca possuem interiores assinados pelo escritório que abordamos nesta matéria de Perfil e que, após configurações várias, começou a funcionar em 2007 com a composição atual do trio de sócios-fundadores: Thiago Rodrigues, formado arquiteto pela FAAP (2001); Lula Gouveia, engenheiro e formado arquiteto pela FAU/Mackenzie (2007), e Antonio Carlos Figueira de Mello, que cursou turismo (Cásper Líbero, 2006) e é pós-graduado em marketing. “É importante o olhar de dentro para fora dos prédios, ainda mais com os usos mistos que estão em toda a parte. Qual a relação desejada para os térreos com a cidade? Vai ser uma loja, um restaurante, um escritório? Que público irá frequentador o edifício? São perguntas que colocamos nas consultorias e projetos que temos realizado a esse respeito porque os interiores impactam os usos dos espaços, inclusive na micro escala. A pesquisa de mercado é uma das ferramentas de trabalho dos incorporadores, mas entender o entorno, o perfil do bairro e tentar projetar direcionado para esse público é outro assunto”, depõe o trio do Superlimão.

Com isso, eles sinalizam a ponta do iceberg de um tipo de trabalho da fase atual do escritório, caracterizada pela diversificação de frentes de atuação e pelo atendimento a variados tipos de clientes, inclusas aí multinacionais e grandes empresas. O antigo flerte do escritório com as incorporadoras, nos contam Antonio, Lula e Thiago, caminha em direção à criação de projetos verticalizados, dos quais pode-se mencionar um “edifício em construção na Vila Ipojuca e outro projeto, em aprovação, o Casa Branca”, informam os sócios. Oportunidades não faltam em meio ao mar de lançamentos imobiliários em São Paulo, cidade sede do escritório, no bairro da Vila Madalena. “Fomos cavando espaço para criar um prédio do nosso jeito, de dentro para fora. Temos trabalhado com pessoas que querem fazer diferente”, é assim que eles se posicionam no mercado.

 

Edifício em construção na Vila Ipojuca

 

Projeto Casa Branca

 

 

De dentro para fora, no caso, se refere não apenas às parcerias mencionadas acima, mas à própria trajetória do Superlimão, onde o reuso, a inventividade, a personalização de componentes e o amplo leque de destinações dos seus projetos vêm configurando um valioso acervo de experiências sobre a interface dos usuários com os lugares e de comunicação das empresas com o seu público, nas suas sedes. Lojas, bares, restaurantes, escritórios foram programas em que o escritório navegou em ondas durante grande parte da sua trajetória – cada projeto motivando o próximo – e que permanecem no seu elenco atual de trabalhos em escala maior até, dadas as características dos contratantes.

Somadas, essas criações pontuais, cada qual repleta de histórias e experiências trazidas pelos projetos, diferenciam o escritório no contexto em que à arquitetura se coloca a tarefa de balancear o genérico com o específico, de nicho, e as qualidades universais arquitetônicas, de conforto e desfrute ligados à espacialidade por exemplo, com aquelas estratégicas dos projetos. Em outras palavras, conhecer em profundidade os tipos de usuários e de programas não é apenas um diferencial competitivo do Superlimão mas o motor da sua atuação e, assim sendo, o seu modo de manter-se criativo e inventar, sempre.

 

 

Vale trazer para essa linha de raciocínio o proveitoso, e por vezes inesperado, impacto recíproco entre os projetos do portfólio do escritório. O Lote, equipamento semi-público criado para revitalizar trecho do bairro da Vila Madalena, em São Paulo, o Beco do Nego, através da gastronomia e programação musical e utilizando contêineres como estrutura base, é uma incursão da equipe no desenho urbano. Passados dois anos da sua inauguração, informam os autores, o projeto não apenas se mantém ativo como absorveu ainda uma mudança de comportamento verificada ao longo desse período, de desfrute do espaço pelos jovens frequentadores também durante o dia, complementarmente à dinâmica boêmia do bairro.

O interessante é refletir sobre a presença – conceitual – do Lote em um importante projeto atualmente em desenvolvimento pelo escritório, o Lapi – contração das iniciais de Largo de Pinheiros, em São Paulo. A abrangência do projeto é de dois quarteirões, mais um terceiro que será objeto de uma fase posterior, e o tema é o da preparação da região para um iminente processo de transformação por causa da sua valorização imobiliária e futura alteração de potenciais construtivos. Qualificar essa passagem e identificar o que convém manter, em termos urbanísticos, na morfologia do lugar faz parte das atribuições do projeto do Lapi, onde “estamos desenvolvendo uma estratégia de ocupação que preserva certas áreas e faz de outras [que tendem a ser verticalizadas] espaços temporários. É um trabalho de desenvolvimento onde entram todas as nossas expertises [inclusive de identificação e preparação para as mudanças de uso que estão acontecendo lá]. Pensamos de dentro para fora do projeto e acreditamos que a vitalidade do uso vai impactar positivamente a praça pública [o Largo da Batata]”, declara Thiago Rodrigues, o líder do projeto desde 2019. O arquiteto salienta ainda o aprendizado vindo da complexa rede de aprovações legais do trabalho.

 

 

 

Sustentabilidade e ciclos de aprendizado

A madeira engenheirada tem presença marcante na nova unidade da rede de lanchonetes Méqui, denominação do McDonald’s no Brasil, recentemente inaugurada na ponta da Avenida Paulista próxima ao bairro do Paraíso. A utilização em larga escala do material, na estrutura e vedações, associada ao vidro que permite a vista para a icônica via paulistana, diferencia o edifício em relação ao padrão das lojas da rede, uma situação já observada anteriormente no não distante, da Paulista, ponto comercial da empresa no bairro da Liberdade. Nele, o Superlimão interveio em um prédio existente e, fazendo uma releitura de um pagode japonês, desenvolveu uma fachada com material 100% reciclado – PET. 

 

McDonald’s (Avenida Paulista) – Foto: Maira Acayaba

 

Mas a madeira, de reuso, esteve presente também em um dos primeiros projetos do escritório, de 2008, o núcleo de sauna e spa do condomínio YPY, localizado na Praia do Engenho, litoral norte de São Paulo. Cientes dos benefícios ambiental – sobretudo evitar que os descartes da obra virassem entulho no meio da mata – e econômico – com o dinheiro que sobrou depois da obra eles foram contratados para conceber e executar o projeto do mobiliário – de aproveitar na reforma materiais do edifício preexistente, os arquitetos fizeram das madeiras do telhado a estrutura do piso, e das antigas telhas cerâmicas placas de revestimento e agregado para o concreto. Um tipo de operação, como moer as telhas, que enfrentou dificuldades para ser realizada na época de concepção do projeto, demandando a intensa presença dos arquitetos no canteiro de obra.

 

McDonald’s (Liberdade) – Foto: Maira Acayaba

 

Pode-se dizer que não foi um caso isolado, ao contrário, tem sido a regra dos trabalhos do escritório. Já em um dos projetos sequenciais ao YPY, o escritório Marília, foi igualmente massiva a reutilização dos materiais. Entre projeto (2009) e obra (2014) se passaram cinco anos, e em 2016 o projeto foi o vencedor, na categoria Reuso, do prêmio austríaco do Brick Award.

Prezar pelo reuso, pela sustentabilidade e pela criação de componentes personalizados para os seus projetos, por vezes para resolver lacunas de mercado, por vezes para atender restrições orçamentárias mas sempre visando a inovação, demanda pesquisa, prototipagem, experimentação, capacitação. Não à toa, a oficina nos fundos do sobrado onde está instalado o Superlimão é um espaço de extrema vitalidade.

Contrastando com a esparsa ocupação do centro de bem-estar do YPY, outro projeto dos anos iniciais do Superlimão, o restaurante Dui, que funcionou em São Paulo de 2008 a 2013, era um local de longa permanência e concentração de pessoas. Nele, assim, bem como na longa lista de posteriores restaurantes e bares assinada pela equipe, o desempenho acústico figura entre as qualidades essenciais para o sucesso do projeto, uma necessidade explicitada na engenhosidade dos forros inventados pelo escritório. Não que seja uma marca mas, seguramente, é um indício da autoria dos seus projetos, assim como é distintivo da sua produção o desenvolvimento dos revestimentos internos e externos. É o caso dos vasos de plantas acoplados às fachadas da loja Firma Casa, em São Paulo, trabalho que chegou a contar com a participação de Humberto Campana, mas cuja versão de elemento vazado – desenvolvida por Francisco Brennand – não veio a ser implantada. O projeto foi um dos pontos de virada do escritório, impulsionador de tantos outros trabalhos, tendo repercutido no Brasil e exterior.

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Além da estética: questionar-se sempre

Deslocar os materiais das suas esferas convencionais de uso faz parte do repertório dos projetos do Superlimão, tanto no que se refere à criações de caráter mais artesanal – como na Firma Casa – quanto àquelas em que se manipulam materiais de origem industrial, como na fachada do Méqui da Liberdade e na loja Estar Móveis. Não como causa mas como efeito, esta é uma das identidades da sua produção – o aspecto lúdico e visual, palpável enfim, da sua criatividade.

Alguns projetos, no entanto, agregam a tal base de personalização dos elementos – e de releituras das referências que integram a identidade das empresas – questionamentos conceituais sobre a essência das atividades que abrigam. É o caso, por exemplo, das arquiteturas corporativas, em especial na história do Superlimão, daquelas desenvolvidas para multinacionais da área da tecnologia. Quando contratados para idealizar o Google Campus, de São Paulo, criado para abrigar startups e como lugar de encontros entre pessoas do círculo de relacionamentos da empresa, o escritório estava para iniciar um processo de crescimento: contava na época, na passagem de 2015 para 2016, com menos de 10 integrantes – hoje, eles são em 40. Ao lado do posterior projeto para a nova sede (2019) da Microsoft na capital paulista, foi oportunidade de mergulharem a fundo no mundo do trabalho, questionando-se sobre excelência e o futuro dos escritórios.

“Já a tratativa para aceitar o convite para um grande projeto corporativo é um momento complexo. Nas primeiras experiências, tivemos que demonstrar nossa capacidade [empresarial] de conduzir os trabalhos, desde questões conceituais, de quem éramos nós e de como pensávamos, até do fluxo das entregas e das interações com os projetistas e consultores”, explicam os titulares do Superlimão. Trabalhar em rede e internacionalmente pode ter se tornado habitual pós-pandemia, mas não era antes.

 

 

“Teve a fase do escorregador, de tudo colorido. Foram passando os anos e as pessoas foram entendendo o que realmente fazia sentido ter nos espaços de trabalho. Os projetos foram amadurecendo, foram surgido novos espaços que complementam o momento do trabalho. Hoje você está nos entrevistando, amanhã vai ter que escrever essa entrevista e, depois, vai passar para uma outra atividade. O espaço de trabalho, então, tem que estar preparado para isso tudo. Você precisa ter lugares para cada atividade, com a melhor eficiência. Mergulhamos a fundo no universo corporativo e nos capacitamos para atender as necessidades atuais e antever aquelas latentes, futuras”, concluem Antonio, Lula e Thiago”.

O trio se vê atualmente amparado por uma equipe altamente capacitada no Superlimão e, “se antigamente a gente trabalhava em ondas, a qualificação que conquistamos nos permite ter, hoje, várias frentes de trabalho abertas simultaneamente”. Em desenvolvimento no escritório, além dos empreendimentos mencionados na abertura deste texto, há o Ecomuseu, concebido para o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa). Concebido para ser implantado em Macapá, o equipamento de 850 metros quadrados de área será dedicado aos ecossistemas, cultura e arte da região amazônica, assim como ao acervo científico do instituto. Sustentabilidade, sem dúvida, é um dos pilares do projeto, cujas referências arquitetônicas navegam pelas casas ribeirinhas e pelas ocas, e cuja materialidade considera a expertise local.  (Por Evelise Grunow)

 

Equipe Superlimão (Foto: Maira Acayaba)

 

 


Veja outros projetos do Superlimão:

 

 

Superlimão: Lote, São Paulo, SP

 

Superlimão: SouSmile, São Paulo, SP

 

Superlimão: Toca do Urso, Ribeirão Preto, SP

 

Superlimão: Loja Escinter, São Paulo, SP

 

Superlimão Studio: Loja Estar Móveis, São Paulo, SP

 

 

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