Arquitetos Associados

Simultaneamente à publicação deste texto sobre o Arquitetos Associados, o escritório mineiro divulgava a sua nova identidade visual, desenhada pelo Estudio Guayabo. Atualização às demandas gráficas de comunicação na era digital e a explicitação do desejo de “renovar a nossa prática para os próximos 20 anos”, alerta o sócio Bruno Santa Cecília, embasam o novo grafismo, paleta de cores e tipografia. Sem, no entanto, “deixar de lado as bases que nos trouxeram até aqui”, introduz o arquiteto o breve panorama que traçamos abaixo.

 

Em 1996, três estudantes da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, EA/UFMG, começaram a compartilhar uma sala comercial aonde desenvolver os seus próprios trabalhos – projetos para concursos de arquitetura e serviços prestados para profissionais com carreiras já estabelecidas: Carlos Alberto Maciel, Alexandre Brasil e André Luiz Prado, graduados pela UFMG em 1997, os dois primeiros, e André em 1998. Localizada no bairro Savassi, a sala foi o embrião do Arquitetos Associados, escritório que retratamos nesta seção Perfil. Em 1999, o também estudante da UFMG, Bruno Santa Cecília, foi convidado a se juntar aos ocupantes do espaço, e eis que temos os nomes de quatro, entre os cinco atuais, sócios da equipe. O regime colaborativo de atuação, com eventuais associações entre os co-inquilinos, se somava ao desempenho de atividades paralelas e parcerias externas, situação que, com contornos e intensidades distintas, seguiu adiante na primeira década do escritório.

 

Museu do Pontal, Rio de Janeiro (Foto: Manuel Sá)

 

“Colegas chegaram e depois saíram, Ascânio Merrighi, Renato Pimenta, Achilles Maciel”, relata André a respeito do espaço de trabalho, o que vale igualmente para as atividades que os futuros sócios exerciam paralelamente, nos escritórios de seus professores e ex-professores, sempre a partir das indicação de amigos. Entre 1996 e 1998, Bruno estagiou no escritório de Gustavo Penna – “para além da experiência profissional com programas e escalas diversos, a vivência desse escritório me possibilitou vários encontros preciosos, como Sérgio Bernardes, Amílcar de Castro e Éolo Maia”. Carlos Alberto havia passado pelo escritório de Penna, e para todos eles Éolo Maia e Jô Vasconcellos foram figuras importantes: “nossa maior aproximação com os arquitetos [foi] trabalhando juntos no concurso para a Praça São Francisco de Cusco, e no projeto para o Centro de Arte Corpo (2001), que vencemos, com a participação também de Amílcar de Castro como consultor. Foi o primeiro projeto de arquitetura de maior escala, com reconhecimento nacional, que fizemos”, relata Carlos Alberto. Alexandre e André estagiaram com os arquitetos, e para Bruno, “a ausência repentina de Éolo [falecido em 2002, aos 60 anos de idade] e, principalmente, a curiosidade acerca do percurso que levou um arquiteto com sólida formação moderna a produzir ícones do pós-modernismo brasileiro nas suas parcerias com Sylvio de Podestá e Jô Vasconcellos, determinaram a escolha do objeto da minha dissertação mestrado”, escreve. 

 

Pinacoteca Contemporânea, São Paulo (Foto: Manuel Sá)

 

Carlos Alexandre Dumont, o Carico, é outra figura citada por eles: “Nessa época o escritório do Carico representava uma espécie de Olimpo do estagiário de arquitetura de Belo Horizonte. Era onde todos estudantes queriam estar, ou já estavam”, dito por André. “A experiência no Carico [1998-2002] me colocou em contato com outro tipo de arquitetura, mais voltada para os interiores e espaços comerciais, cuja tônica era o controle miesiano e o rigor na concepção e desenvolvimento dos detalhes”, dito por Bruno, que destaca complementarmente a vivência dos curtos prazos entre projeto e obra como uma possível “primeira tomada de consciência, ainda que de modo mais prático que teórico e crítico, do problema da autonomia do desenho e do seu deslocamento do canteiro de obras, ainda sem noção das relações de dominação apontadas por Sérgio Ferro, cuja obra crítica à época eu desconhecia”. Carlos Alberto acrescenta: “Com Carico também aprendi que ‘a arquitetura fica tanto melhor quanto menos parede tem’”, resumindo a sua percepção de “aquela [ter sido] uma segunda escola: a profundidade no desenvolvimento dos detalhes construtivos e de montagem, a forte presença de um repertório moderno – praticamente inexistente no curso de arquitetura da UFMG àquela altura – e a clara organização profissional orientaram nosso modus operandi inicial”.

Era intensa a participação do grupo em concursos e premiações de arquitetura, com os quais lidar com projetos mais complexos e “dar saltos maiores” na profissão, contextualiza Alexandre. Espontaneamente, foram configuradas duplas de trabalho, Bruno com André, Carlos Alberto com Alexandre, até que “decidimos participar os quatro do Prêmio de Ideias para o Plano Diretor do Parque Tecnológico de Belo Horizonte, concurso vencido por nossa equipe em 2003”, relata Bruno. Foi um passo importante na trajetória do Arquitetos Associados, “meu primeiro contrato profissional para uma obra de maior escala: o plano diretor e o parcelamento urbano do Parque Tecnológico de Belo Horizonte”, menciona Alexandre, e aquela que pode ter sido a motivação para formalizarem a existência do escritório.

 

 

A configuração atual da sociedade começou a se delinear em 2005, quando Paula Zasnicoff Cardoso, a quinta associada, se mudou para Belo Horizonte para desenvolver mestrado na UFMG e atender o convite para trabalhar como arquiteta no Centro de Arte Contemporânea de Inhotim. Assim fazendo, terminava a sua participação no Arquitetos Cooperantes, escritório paulista que fundara em 2002 junto com Anna Helena Vilella, Eduardo Ferroni, Fernanda Neiva, Fernanda Palmieri, Gil Mello, Maria Júlia Herklotz, Pablo Hereñú, Sabrina Lapyda e Silvio Oksman, dois anos depois de ter se graduado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, FAU-USP. Minas Gerais não era novidade para Paula, que em 2001 participara – junto com Pablo Hereñu, então um colega de trabalho no escritório Una Arquitetos, com Alexandre Mirandez, César Shundi Iwamizu, Marcelo Pontes de Carvalho e Ricardo Bello – do Concurso para a Sede do Grupo Corpo, vencido pelo Arquitetos Associados. “Conheci pessoalmente os associados em 2002, na apresentação pública dos projetos finalistas”, depõe Paula no texto que assina no livro “Arquitetos Associados” (Editora Miguilim, Belo Horizonte, 2017), uma auto-análise das duas décadas iniciais da produção da equipe. O seu reencontro com os arquitetos mineiros –  e mais especificamente com o seu posterior companheiro, Alexandre Brasil – ocorreu dois anos depois na cerimônia do Prêmio Jovens Arquitetos IAB 2004, em São Paulo, recebido por ambas as equipes, selou o destino de Paula, que um ano depois se transferiu para a capital mineira.

 

Centro Educativo Burle Marx (2006-2009) – Fotos: Daniel Mansur, Leonardo Finotti, Marcelo Coelho

 

Galeria Claudia Andujar, em Inhotim (2012) – Fotos: Leonardo Finotti

 

Em Inhotim, entre 2005 e 2007 ela foi responsável pelo desenvolvimento de projetos de arquitetura, expografia e instalações artísticas, atividade que exerceu frequentemente através de parcerias com arquitetos convidados. Inclusive com Alexandre Brasil – a dupla assina o Centro Educativo Burle Marx (2006-2009) e o Centro Administrativo e Reserva Técnica (2007-2008) – com os quatro sócios do Arquitetos Associados: primeiro um projeto não executado, a Grande Galeria e Restaurante (2008), a Galeria Miguel Rio Branco (2008-2010), a Galeria Cosmococas (2008-2010) e a Galeria Claudia Andujar (2012-2015), esta última com a autoria adicional de Ana Carolina Vaz. Inhotim, sem dúvida, é capítulo fundamental da história do Arquitetos Associados. “ Mais do que a possibilidade de realizar obras singulares em um ambiente em que arte e paisagem se complementam, o período de projetos em Inhotim, de 2008 a 2015, foi uma oportunidade única de discutir junto aos curadores da instituição (…) o papel da arquitetura na mediação da experiência artística”, reflete Bruno.

Um ano após deixar o centro de arte, Paula ingressou como sócia no Arquitetos Associados – era o momento, 2008, de mudança da equipe para um edifício empreendido por Carlos Alberto e Bruno: o Estúdios Terra, que desencadeou o projeto posterior do Estúdios Capelinha (2008-2011). Fazia seis anos que Paula conhecia o quarteto de arquitetos e metade disso que trabalhava com eles, portanto, o “choque cultural”, entre o pós-modernismo mineiro e o modernismo paulista, bases das suas formações acadêmicas, teve tempo para ser equacionado através da prática profissional. “Por nossas diferentes formações, a gênese dos ideais comuns é distinta. Talvez nossas afinidades tenham origem em um pressuposto que é o embrião de nossos projetos: a consideração e o respeito ao lugar. A atenção à paisagem, às preexistências, ao contexto, à cidade”, escreveu Paula no livro de 2017 sobre o escritório, o que faz pensar na importância dos arquitetos no geral, mas dos jovens profissionais fundamentalmente, atuarem proativamente, mesclando as encomendas nem sempre instigantes do início de carreira com os seus projetos desejados, através de concursos, associações …

Há muitas similaridades, nesse sentido, entre as trajetórias iniciais de Paula e do núcleo pioneiro do Arquitetos Associados, ela em São Paulo, eles em Minas Gerais. A começar pela sinergia com colegas da graduação: “havia um intenso diálogo entre os colegas. Não só nos trabalhos formais, mas também em discussões, troca de livros, tardes na biblioteca, visitas a edifícios que admirávamos em nossa própria cidade, viagens para outras cidades. Vinha se consolidando uma prática em nossa geração de desenvolver trabalhos coletivamente”, rememora a arquiteta no texto de 2017, citando os projetos realizados em grandes grupos, seja na disciplina optativa, Projeto Integrado, que cursou com Eduardo de Almeida e Marcos Acayaba, seja nos Trabalho de Graduação Interdisciplinar, TGI, coletivos. “O grupo [do TGI de Paula] era formado pelas minhas grandes amigas e parceiras de projeto em todo o curso: Fernanda Neiva, Fernanda Palmieri e Rita Martinussi. Num momento em que a maioria de nossos colegas optava por desenvolver trabalhos no centro de São Paulo, optamos por olhar para a periferia”, escreve a arquiteta.

Também os trabalhos públicos já presentes no início das trajetórias dos arquitetos, grandes e pequenos projetos de concursos, implantados ou não, os foram “capacitando” a exercerem a consciência sobre os lugares, as preexistências, que Paula cita aproximar paulistas e mineiros do Arquitetos Associados, e os instigando a criar arquiteturas “discretas”. Não necessariamente na forma, mas na atitute com que se colocam à serviço do que vai perdurar, necessariamente, porque é dinâmico, tem vida: as alternâncias de obras de arte em galerias e museus, os seus diferentes momentos e tipos de percepção por interlocutores variados, os interesses (sempre em potencial transformação) dos que acessam um determinado equipamento e daqueles dos que por passam apenas, aproveitando, contudo, a leitura que o projeto arquitetônico e urbanístico faz dessas condições todas.

Isso está presente nas pequenas e grandes realizações do Arquitetos Associados, da singela praça mineira do final dos anos 90 ao Museu do Pontal, no Rio de Janeiro, e na Pina Contemporânea, em São Paulo, passando pelas galerias de Inhotim e inclusive pelos projetos “frustrados” – porque não vitoriosos de certames ou simplesmente abandonados pelos contratantes. Mas não só, e creio que essa seja uma das grandes qualidades e contribuição desta equipe para a reflexão sobre o que possa significar ser arquiteto, também a sua vida acadêmica (todos os cinco sócios são professores universitários e desenvolveram mestrado, alguns também doutorado), a dedicação à escrita, à publicações, à curadorias de exposições – culminando na escolha para serem curadores do pavilhão brasileiro na 17ª Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza -, importam para a arquitetura que eles praticam. Olhar a sua trajetória desta maneira é oportunidade para rejeitar barreiras improdutivas, entre teoria e prática, entre esta ou aquela “linguagem” de projeto … São múltiplos os estímulos trazidos pelos arquitetos associados na sua mesa de trabalho, e isso porque eles continuam a permitir que assim seja – sendo muitos e muito diversos (coletivamente), colaborativamente. (Por Evelise Grunow)

 

Os sócios fundadores: André Luiz Prado, Carlos Alberto Maciel, Alexandre Brasil, Paula Zasnicoff Cardoso e Bruno Santa Cecília

 

O novo tipograma do ARQUITETOS ASSOCIADOS. Composto por duas partes facilmente reconhecíveis, divididas por um eixo vertical, entre o símbolo e o tipograma, e um eixo horizontal que atravessa as duas formas que compõem o símbolo e as duas palavras. Cada um desses eixos articula elementos distintos e semelhantes, ressoando conceitos já presentes no nome: projeto, estrutura e associação

 

 

 

 


Confira outros trabalhos do escritório
publicados no acervo da PROJETO:

 

Pinacoteca Contemporânea, São Paulo

 

Nova sede do Museu do Pontal, Rio de Janeiro

 

Livraria da Rua, Belo Horizonte

 

Praça Milton Campos, Betim, MG

 

Concursos, caminho para o mercado de trabalho

 

AsBEA 2016 – Prêmio Especial do Júri