Triptyque

Eles se preparam para uma nova mudança de endereço, desta vez do Jardim Europa para o centro de São Paulo, vindos do Jardim Paulista e, antes, da Vila Madalena. Sem contar a fase embrionária do escritório, quando se estabeleceram em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, além da sede concomitante francesa, aberta em 2008. O quarteto Triptyque não para de se movimentar, tanto institucional quanto arquitetonicamente. Formados pela Escola Superior Nacional de Arquitetura de Paris-La Seine, uma das instituições francesas de ensino de Belas Artes, a inquietação é o que os move. A seguir, um apanhado da trajetória conjunta de Carolina Bueno, brasileira, e dos franceses Guillaume Sibaud, Grégory Bousquet e Olivier Raffaëlli.

Nesta seção Perfil, é habitual traçarmos um panorama do escritório ou do arquiteto, seguido de breve entrevista e de dois projetos: um construído e outro, futuro. Foi mais ou menos assim que aconteceu com o Triptyque, porque o difícil é reunir os sócios numa roda de conversa. Olivier está há dois anos de volta à Paris, liderando os trabalhos por lá; e, os demais, movimentam-se continuamente pelo escritório, visitando a sala de maquetes, conversando com as equipes de projeto ou atendendo interlocutores externos.

A entrevista, assim, será inserida em fragmentos de falas individuais, sem perder, contudo, coesão. Porque os quatro arquitetos – que se apresentam institucionalmente como Carol, Gui, Greg e Olivier – trabalham verdadeiramente em sintonia. Sua arquitetura é daqueles casos em que o construído e o não edificado se equiparam em importância na conformação da trajetória profissional. Mostrando o que fazem na realidade e na imaginação, o que inclui a concepção de trabalhos de cunho artístico, eles foram fazendo de cada projeto uma narrativa e, assim, estrategicamente se posicionando como experimentais, questionadores. Construindo o que podemos chamar de uma imagem espessa de si mesmos.

A arte e a natureza, vista tanto como paisagem quanto como a ciência das forças com que interagem as edificações, são o pano de fundo da sua arquitetura, onde a compreensão da condição urbana dos projetos é também premissa, e a explicitação dos materiais e da estrutura ganha força. Todos princípios presentes na obra que apresentamos adiante, nesta matéria, o edifício residencial Pop XYZ, concebido para a incorporadora Idea!Zarvos. Relembrando os anos de estudo na França, Carol cita o que pode ser um indício da saudável complementaridade de aptidões e interesses de cada um dos sócios, relatando os assuntos a que se dedicaram nos seus mestrados: ela, multimídia – as representações digitais que começavam a despontar no final dos anos de 1990. Greg, filosofia e história da arte.

Já Gui e Olivier, urbanismo. É inútil procurar um desdobramento cartesiano do fato, mas ele nos faz pensar sobre o potencial de um escritório liderado por quatro. “Na faculdade, fomos abertos para uma explosão criativa, para o gosto pela experimentação, pela subversão e também para o pragmatismo na abordagem arquitetônica, contrária à posição dogmática pré-estabelecida”, formula Gui, em consonância com o que emerge da memória de estudante de Carol, que vivenciou o efervescente ambiente cultural parisiense e a saída da arquitetura do pós-modernismo: “a Belas Artes é o questionamento em todos os sentidos”.

 

Acreditamos que o campo para a experimentação em arquitetura é amplo, não há assuntos nobres e assuntos pobres na nossa profissão. A cidade contemporânea, como São Paulo, merece todas as atenções, desde o posto de gasolina até o centro cultural. (Guillaume Sibaud)

 

Empreendedorismo

Prospectar é, assim, atitude essencial não só para para quem procura se estabelecer profissionalmente mas, sobretudo, para aqueles que queiram se dedicar a projetos que desafiem a criatividade. O que pode acontecer através da participação em competições, mas também do desenvolvimento de um perfil empreendedor: “buscamos trabalho de modos diversos. Através dos concursos, claro, que ganhamos alguns mas perdemos muitos, copiosamente, mas gostamos também de juntar pessoas. Um fabricante, com um proprietário de terreno e um incorporador. Muitos dos nossos projetos, como o Red Bull Station [residência artística e área de eventos localizada na região central de São Paulo], nasceram assim, de assuntos que não existiam, dividindo espaço no escritório com as encomendas clássicas, de programas já formatados. Acreditamos que o campo para a experimentação em arquitetura é amplo, não há assuntos nobres e assuntos pobres na nossa profissão. A cidade contemporânea, como São Paulo, merece todas as atenções, desde o posto de gasolina até o centro cultural”. Assim, Gui traduz aquilo que move a Triptyque, numa fala que pode servir de referência também aos arquitetos em início de carreira. Inclusive no que diz respeito à necessária atitude investigativa do arquiteto, capaz de perceber potencialidades da técnica cruzadas às demandas latentes, sociais, urbanas, culturais e, enfim, às possibilidades econômicas, de negócios. Um dos seus projetos em estudo, e ainda sigiloso, é uma construção com estrutura de madeira, pensada para a ocupação de uma encosta íngrime e que está sendo analisada em conjunto com órgãos técnicos do Brasil e da França.

“A não especialização nos trouxe aonde estamos atualmente, que é o começo de onde queremos chegar”, reflete o arquiteto, ao considerar o conjunto de trabalhos destes quase 17 anos de atuação, passando de projetos de interiores à intensa participação em concursos, da concepção de lojas aos edifícios, residenciais e comerciais, e assim por diante: “reunimos referências suficientes para brigarmos agora por projetos de urbanismo e arquiteturas mais complexas, de forte carga cultural”, cita Gui, tendo em mente os casos da concorrência Réinventer Paris e do complexo Matarazzo, exemplos máximos da sua fala. O primeiro foi a chamada da prefeitura parisiense para que grupos multidisciplinares concebessem projetos de PPP – o Triptyque fez parte do consórcio brasileiro de projetos -, e o segundo é o trabalho em curso em São Paulo, a Cidade Matarazzo, um empreendimento projetado por Jean Nouvel com tropicalização da Triptyque mas, não só. O quarteto assina individualmente também uma das torres do conjunto, a partir da qual ocorre um dos acessos à arquitetura subterrânea.

Quando perguntados, assim, sobre fases importantes da trajetória, eles citam os projetos do Harmonia 57 (São Paulo, 2007/2008, 1.100 m2 de área construída), um conjunto idealizado para sediar escritórios, e do edifício residencial Fidalga (São Paulo, 2007/2010, 2.800 m2), ambos no bairro da Vila Madalena; a premiação no NAJA em 2008, uma espécie de apadrinhamento de jovens profissionais feito pelo Ministério da Cultura da França; a Midiateca de Osny (Osny, 2012/2016, 1.500 m2); a Cidade Matarazzo e o Réinventer Paris. Que demarcam, entre outros trabalhos similares, a crescente repercussão que o Triptyque foi tendo na mídia, assim como o estabelecimento dos seus princípios de projeto. Gui enumera os principais deles: a arquitetura como suporte da paisagem, o emprego de planos que cada vez mais afirmam a continuidade entre o interior e o exterior da edificação, a composição de planos – fechamentos, lajes, marquises, varandas – e não de volumes esculpidos, a espacialização dos percursos (como no Pop XYZ), o emprego de materiais pouco sofisticados e a presença cada vez mais expressiva da estrutura.

 

Acima (da esquerda para a direita), os sócios da Triptyque Arquitetura: Carolina Bueno, Grégory Bousquet, Guillaume Sibaud e Olivier Rafaëlli (Fotos: Julia Rodrigues)

 

Da imagem à matéria

Para quem visita o escritório dos arquitetos é indispensável a passagem pela sala de maquetes. “O uso do 3D ficou insuficiente para nós. Voltamos a produzir modelos, como nos tempos da escola, porque é um meio de produção artística mais livre. Essa Tropical Tower [ensaio de adensamento de uma área em São Paulo] é uma construção em maquete. Sua arquitetura não foi feita em planta nem em corte, mas nos planos da maquete”, vai narrando Gui enquanto mostra a máquina de corte a laser que permite a rápida produção dos modelos complexos que estão sendo feitos no ateliê. Eles são os instrumentos para a realização simultânea das frentes de criação e prospecção dos trabalhos – nas quais, para os sócios, o equacionamento dos pormenores da arquitetura tem importância secundária -, e de desenvolvimento e gestão dos projetos. “Cada vez mais nossos trabalhos começam aqui [na maquetaria]”, contrapõe o arquiteto sobre o momento atual do escritório com a origem da empresa, quando, imersos na revolução digital da arquitetura, os sócios investiram tempo e dinheiro na concepção de modelos digitais.

Coexistem na sede do Triptyque, assim, maquetes de trabalhos utópicos e factíveis, os já construídos ou em execução, assim como os brasileiros e os da França. Estes, foram impulsionados pela condecoração no NAJA e começam agora a ficar prontos. Como é o caso da Midiateca de Osny e do complexo Huningue, projeto que fecha esta matéria. Projetar na França foi uma segunda escola para eles porque são profundas as diferenças em relação à cultura arquitetônica brasileira. Tanto em termos de normas, contexto, economia e clima, quanto de engenharia: “o meu discurso sobre a permeabilidade visual dos envelopes não se sustenta em Paris, aonde a preocupação com a performance térmica dos edifícios quase que guia o trabalho dos arquitetos, hoje”, explica Gui. Mas é um projeto tropical que publicamos a seguir, o edifício residencial que a Triptyque acaba de implantar na Vila Madalena, em São Paulo. Seus moradores, assim, podem desfrutar da amenidade do clima enquanto se deslocam pelo terreno.

 


Veja alguns dos projetos:

 

Residencial Pop XYZ, São Paulo

 

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