studio mk27

O sarcasmo com que Marcio Kogan defendia suas teses na época de FAU/ Mackenzie talvez fosse uma forma de se defender da timidez que ainda transparecia, anos depois de formado. Quando, após sua derradeira aventura/comédia como cineasta (e de esta ter lhe deixado o escritório praticamente quebrado), ele se cercou de uma turma de arquitetos mais jovens e igualmente talentosos, a carreira decolou, junto ao número de projetos realizados. O nome anterior também foi deixado de lado e surgiu o studio mk27 (seu número de sorte, embora ele, enigmático, não explique a razão), cuja produção vem alcançando repercussão internacional. Ainda assim, não possuía controles que permitissem saber se, por exemplo, um projeto havia sido pago ou não. Esse tempo ficou pra trás, assegura a equipe.

 

Nas grandes corporações é habitual que, entre os procedimentos gerenciais, estejam avaliações frequentes de funcionários e processos. E não é raro que elas sejam conduzidas por consultorias externas. Pouco comum, no entanto, são pequenas empresas, como por exemplo os escritórios de arquitetura – sobretudo no Brasil -, submeterem-se a essas análises.

Assim, causou certo estranhamento quando nos contatos que se seguiram ao convite para que o studio mk27 fosse o protagonista desta edição da seção Perfil, a arquiteta Laura Guedes, membro da equipe que trata das relações com a imprensa, ter informado que as entrevistas deveriam ser postergadas porque o estúdio passaria por uma avaliação na primeira semana de julho.

A indagação inicial foi se, com isso, a memorável arquitetura produzida pela equipe – que tem a frente o arquiteto Marcio Kogan – corria riscos de ter sua criatividade engessada por procedimentos burocráticos. A resposta, definitivamente, é não, visto que foi o traço acurado do arquiteto que alçou o estúdio à invejável posição que hoje ele desfruta. Por outro lado, o processo (ou a falta dele), através do qual o escritório vinha gerando cultuadas obras arquitetônicas e que, cada vez mais, também ganha projeção no exterior, não se mostrava mais economicamente sustentável.

Há poucos anos, um cliente consultou o estúdio para saber se não seria cobrado pelo projeto, conta Kogan, entre risos. Hoje, ele assegura – e a equipe de arquitetas que lhe assiste de forma mais próxima não diverge – a possibilidade disso ocorrer é inexistente. Não apenas porque agora há colaboradores responsáveis pelas finanças, como também o levantamento e a contabilização das horas trabalhadas foram incorporados ao gerenciamento da criação.

Esses procedimentos permitem ao mk27 apurar se determinado trabalho é ou não lucrativo e se está equilibrada a remuneração que ele gera. Lucro, renda e cobrança, são, na avaliação de Kogan, temas que a formação escolar considera pecado tratar, e as faculdades ainda não se deram conta que deveriam ser agregados ao currículo.

 

Postura revisada

Durante a maior parte da sua trajetória, o mk27 (o 27 foi agregado às iniciais do fundador por se tratar do número de sorte de Kogan – antes o estúdio se chamava Marcio Kogan Arquitetos Associados) não se ateve a tais questões, tratando toda a equipe de maneira uniforme – “não sei se o escritório era coletivo, comunista ou socialista”, brinca Kogan -, inclusive no que se refere à remuneração dos colaboradores.

Há cerca de dois anos, esse modelo de gestão começou a ser revisto. Mariana Simas, arquiteta que está no estúdio há quase uma década, tomou a responsabilidade da reorganização, e foi cursar MBA em Gerenciamento de Escritórios de Arquitetura pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Um aspecto curioso do fato de Mariana estar à frente dessa operação – “sempre fui uma CDF”, ela reconhece – é que, do grupo que ocupa os postos mais altos na hierarquia do escritório, ela é a única a ter se formado pela FAU/USP. As demais diretoras, Diana Radomysler, Suzana Gloglowski e Renata Furlaneto, graduaram-se pela FAU/Mackenzie.

Constatação essa que dá a Kogan a oportunidade para uma irônica reflexão, baseada nos clichês aos quais essas duas escolas são associadas: para o arquiteto é como se o coração e a poesia (dos quais em tese a FAU/USP estaria mais próxima) ocupasse a posição da racionalidade e da razão (imagem, em geral, associada aos alunos do Mackenzie).

Das diretoras, Diana é quem está há mais tempo com o arquiteto. Formada em 1983, ela deixou a arquitetura temporariamente de lado para se dedicar à metalúrgica da família em razão da morte do pai, na qual prosseguiu até Kogan convidá-la para fazer parte do estúdio, cuja sede, projetada pelo próprio arquiteto, está localizada na Alameda Tietê, no Jardim Paulista, em São Paulo.

Diana conta que, na época, ele pouco saía detrás do computador, revelando uma timidez que, agora, o arquiteto diz ter aprendido a controlar. Analisando retrospectivamente o comportamento do profissional (e projetando-o para os dias atuais), ele seria uma espécie de nerd, reflete Diana.

Suzana Glogowski e Renata Furlaneto foram colegas de universidade (são da turma de 1997) e se integraram à equipe quando os trabalhos realizados pelo estúdio já começavam a alcançar certa repercussão – desde que iniciou na profissão, passou-se quase uma década até que Kogan tivesse seu primeiro projeto publicado em revistas especializadas. Foi o fato de conhecerem a obra do arquiteto que as levou a procurarem o estúdio e mostrarem seus trabalhos, que na ocasião chamaram a atenção de Kogan. Em um primeiro momento, não deu certo, mas, pouco depois (em 2001 e 2002, respectivamente), Renata e Suzana foram contratadas.

 

Entre o cinema e a arquitetura

A arquitetura se apresentou a Marcio Kogan desde muito cedo. Seu pai, Aron Kogan, que faleceu de forma trágica quando o filho ainda não havia completado dez anos, era engenheiro-arquiteto e costumava percorrer com o filho as obras que projetava e construía em parceria com o colega de faculdade, Waldomiro Zarzur.

A dupla era proprietária da Construtora Zarzur & Kogan, tradicional empresa paulista que tem entre seus empreendimentos o edifício Mirante do Vale, no Anhangabaú, na região central de São Paulo, além de vários outros prédios residenciais, como por exemplo o edifício Racy, na avenida São João, também no centro, e o São Vito, ambos prédios de apartamentos. Este último, situado na região do parque Dom Pedro, foi demolido no começo dessa década.

Kogan conta que o pai também costumava equipar a casa onde a família residia, nos Jardins, com engenhocas mecânicas e elétricas que automatizavam algumas de suas funções. Uma delas, instalada no porta-malas do automóvel, acionava o mecanismo de abertura da garagem. Ele se recorda que, volta e meia, os bondes que transitavam pela rua acabavam, involuntariamente, acionando o mecanismo, abrindo as portas do ambiente.

Foi por isso que assistir ao filme “Meu Tio”, do diretor francês Jaques Tati, repercutiu fortemente em Kogan. Na história, a irmã do senhor Hullot – o personagem principal – reside em uma casa futurística, onde tudo funciona de forma automática. Outra obra que Kogan considera fundamental em sua trajetória de vida é “O Silêncio”, do diretor sueco Ingmar Bergman. O enredo se desenvolve em torno de duas irmãs que se hospedam em um hotel, em um país não identificado, prestes a entrar em guerra. A mais velha, vítima de uma doença terminal, está à beira da morte. A mais jovem é a mãe negligente de um garoto que vagueia pelo hotel onde, além deles, poucas pessoas estão hospedadas.

Kogan atribui ao filme parte de sua recuperação do impacto causado pela morte do pai. E também o seu encanto com a arte cinematográfica e a incerteza quanto a seguir a carreira de cineasta ou de arquiteto. No cinema, ele teve certo reconhecimento, compartilhado com o amigo desde os tempos do ensino médio e também arquiteto, Isay Weinfeld.

 

Desenhos de arquitetos conhecidos emoldurados numa das paredes da principal sala de reuniões do estúdio (Fotos: Rômulo Fialdini)

 

Miniaturas de cadeiras ocupam a estante que separa os ambientes de trabalho no mk27

 

Arquitetura vence

Foi esse fascínio pelo cinema que também quase o quebrou (física e juridicamente) quando, formado e com o escritório constituído, afastou-se por seis meses das tarefas cotidianas para produzir e dirigir (junto com Weinfeld) o filme “Fogo e Paixão”. A obra conta a história de um incomum grupo de turistas que, de ônibus, passeiam pelas ruas de uma grande cidade fictícia, destituída de atrações (seria São Paulo?).

Quando o filme – que contou com atuação de Fernanda Montenegro e Regina Casé, entre outros artistas -, foi concluído e Kogan retornou à arquitetura, não tinha mais trabalhos contratados: os clientes haviam desaparecido. Foi preciso “reconstruir” a empresa. Nesse sentido, provavelmente lhe tenham sido úteis as lições que, como estagiário, aprendera no escritório de Maurício Kogan.

Tio de Márcio, o arquiteto é autor, junto com Carlos Villar, do projeto do edifício do Banco Safra, na avenida Paulista, esquina com a rua Augusta, e da sede da Hochtief do Brasil, na zona sul de São Paulo (PROJETO 92, de outubro de 1986), entre outras obras.

Embora não se identificasse com a obra produzida pelo irmão mais novo de seu pai, e reagisse com ironia às opiniões que lhe eram pedidas quando o escritório recebia encomendas, Márcio reconhece que foi Maurício quem o orientou sobre os aspectos práticos da profissão.

Desde a aventura com a comédia (“Fogo e Paixão” é considerado um filme do gênero), o arquiteto subjugou o cineasta. Se a carreira cinematográfica estancou, também demorou algum tempo até sua arquitetura se tornar conhecida e ser considerada relevante. Quando isso ocorreu, o volume de trabalhos cresceu, mas nunca a ponto de ele ter perdido o cuidado quase artesanal na criação e desenvolvimento.

E se, em seus projetos iniciais (assim como nos de Weinfeld), os analistas notavam influência das obras de Aurélio Martinez Flores (que foi seu professor na universidade), sua produção mais madura adquiriu autonomia, consistência e expressão autoral, mesmo considerando que ele sempre atribui coautoria àqueles que se envolvem mais diretamente nos trabalhos.

 

Mídia atraída

Quando Mariana ingressou no estúdio, uma de suas tarefas era mediar a relação do escritório com a imprensa e, nisso, ela foi muito bem-sucedida. Nos primeiros anos de carreira, os trabalhos de Kogan permaneceram quase desconhecidos, e seus registros são pontuais (na PROJETO, a primeira obra publicada foi a da loja Quarto, Sala e Cia, na edição 92, em dezembro de 1985; ele só voltaria às páginas da revista na edição 231, em maio de 1999, com o projeto da loja e restaurante Uma/Refeitório).

Porém, quando a revista inglesa Wallpaper mostrou sua produção, em 2008, a atração da mídia pelos trabalhos do escritório, que já era crescente, explodiu. Dois anos depois, em 2010, a residência em Paraty (publicada na PROJETO 356, de outubro de 2009) foi apontada como a casa do ano pela publicação britânica, aumentando ainda mais a visibilidade da produção do estúdio.

Hoje, dois colaboradores – Carlos Costa, em São Paulo, e Laura Guedes, em Londres -, tratam das relações com a mídia e publicações. Com a intensa e competente divulgação das suas obras, a ampliação do público interessado em ter um projeto assinado pelo estúdio se estendeu para outros países, a ponto de, no atual momento, a maior parte dos projetos contratados ser de clientes do exterior.

Vietnã, Malásia (veja a seguir a residência em Kuantan), Bali, Portugal e Espanha são alguns dos países para os quais o mk27 desenvolveu projetos para clientes privados, inclusive com programas diferentes dos residenciais.

Além dessas encomendas, o estúdio tem também se lançado casa vez mais à participação em concursos internacionais – no início de agosto, a equipe estava preparando a proposta para um concurso na Rússia. Se vencerem, será, simbolicamente, o retorno de um representante dos Kogan ao país de origem de seus avós paternos.

 

Entrevista

O escritório foi reorganizado recentemente, passando a contar com quatro diretoras, além do fundador. Isso alterou o processo criativo?
O processo continua exatamente igual. Todo o novo sistema adotado tem por fim a qualidade do projeto e de todo o desenvolvimento criativo, desde as coautorias já clássicas por aqui até os brainstorms coletivos.

Qual a sua avaliação dessa nova organização administrativa?
Apesar de um início levemente traumatizante, foi bem positiva. E sempre fica uma certa nostalgia de um escritório-ateliê que deixamos para trás.

O estúdio sempre atuou com coautorias. Como se dá a elaboração da primeira proposta apresentada ao cliente?
Logo no início, com o projeto sob uma intensa neblina, os arquitetos envolvidos trabalham comigo e vamos criando de forma coletiva. Testando, errando, até o momento em que a equipe fica feliz com o resultado. Já nos acostumamos com isso e posso dizer que faz parte do DNA do studio mk27.

Existe no escritório uma predominância da presença feminina. Isso impacta a identidade dos projetos?
Não existe uma razão racional para que sejam diferentes a arquitetura praticada por homens e por mulheres. Interessante notar que escritórios de arquitetura nos Estados Unidos e também na Europa têm predominância total dos homens. Mas, na minha classe na faculdade, as mulheres já eram maioria.

A maior parte dos atuais trabalhos do escritório estão sendo desenvolvidos para clientes de fora do país. Quais as diferenças entre projetar para clientes do Brasil e do exterior?
Não é muito diferente. Às vezes a distância prejudica um pouco. Dependendo do país, as experiências são diferentes. A facilidade de comunicação, transferência de arquivos e todo um processo de globalização nos ajudou. Há um equilíbrio, então, entre dificuldades e facilidades.

Com uma obra consolidada, que desperta atenção também no exterior, você acredita que tenha seguidores ou ainda que sua arquitetura consiga influenciar os jovens?
Não gosto de pensar nisso.

Qual a experiência com o ensino de arquitetura? A quais aspectos da profissão você acredita que as escolas deveriam dar maior ênfase?
Leciono na Escola da Cidade, sou professor convidado no Politécnico di Milano e, obviamente, cada lugar tem suas peculiaridades e existem qualidades e defeitos que poderiam gerar uma conversa de horas. Gerenciamento de escritório seria uma das inúmeras sugestões que eu daria, para alunos interessados neste assunto. Não gosto muito do que acontece aqui (no Brasil) em relação aos estágios. Eu comecei a trabalhar logo no segundo ano e hoje acho que deveria ter gasto meu tempo estudando e me aprofundando em assuntos que me interessavam, e que agora não consigo mais fazer. A escola é o momento de estudar e não de trabalhar. Isso é o que acontece em quase todos os cursos de arquitetura pelo mundo que, geralmente, são em tempo integral. Caso o aluno precise trabalhar para pagar os estudos, acaba fazendo algum “bico” fora do horário.

 


Confira alguns projetos:

Casa Pasqua, Porto Feliz, SP

 

Residência, Kuantan, Malásia

 

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