Marcos Bertoldi Arquitetos

Prestes a completar 40 anos de existência, em 2024, o escritório de Marcos Bertoldi vive momento de expansão com a diversificação do seu já consagrado repertório de projetos de residências unifamiliares. Estão em desenvolvimento, assim, projetos de edifícios verticais a serem implantados no entorno de praias de Santa Catarina e, por ora, na capital curitibana, que desfrutam do conhecimento acumulado de fazer das formas e materiais veículos para a harmoniosa inserção da arquitetura na paisagem.

Há na arquitetura de Marcos Bertoldi a particular confluência de aptidões que o arquiteto vem desenvolvendo ao longo da sua carreira, iniciada há quase 40 anos, em Curitiba. Não que se trate de uma novidade no fazer arquitetônico mas percebe-se com maior clareza a sinergia, na sua obra, de sensibilidades adquiridas primeiro com os projetos de arquitetura de interiores da década inicial do escritório, por questões circunstanciais que veremos adiante, e depois com as residências unifamiliares, que são o núcleo do seu trabalho até o momento – também mais adiante abordaremos o assunto dos projetos para o mercado imobiliário, um novo capítulo na arquitetura de Bertoldi.

Os materiais têm importância central nos interiores e, arquitetonicamente falando, tal percepção diferencia as casas do arquiteto. Tanto de modo mais imediato na criação de uma atmosfera controlada e quase sempre minimalista, contemporânea, quanto na correspondência da conformação volumétrica e, portanto, da distribuição do programa e da inserção da residência no lote, com o agenciamento dos materiais – brutos ou desprovidos de acabamentos superficiais que camuflem as suas constituições físicas. Eis aí um traço da sua personalidade criativa.

A importância dos materiais para o desenho arquitetônico está presente na Casa MB (2009-2010), onde a paginação singela mas rigorosa os fazem extravasar para o exterior, como se se habitasse a totalidade do terreno. “Os materiais influenciam os modos como usuário se conecta com as áreas externas e é fundamental recuperá-las para os nossos projetos”, analise. E está presente também na recentemente executada Casa da Encosta (2017-2022), localizada em terreno rochoso, triangular e íngreme, cuja situação de esquina o faz articular as cotas alta e baixa das ruas ao redor. “É quase um não terreno”, assinala Bertoldi, tal a conjunção de características que desafiam a sua ocupação.

 

Casa da Encosta (Foto: Eduardo Macarios)

 

Em contrapartida o programa é extenso, e evitar a verticalidade ostensiva foi o propósito arquitetônico. São seis os pavimentos, situação que colocou ao arquiteto o desafio de reduzir o impacto visual do projeto através de uma conformação apta a comunicar horizontalidade, inclusive, através da paginação dos materiais. A dupla de pisos inferiores, portanto, dedicada a um inusual programa de lazer que compreende também salão de beleza e de música e dança, é como um terreno intacto: se trata de um subsolo oculto pelo jardim vertical de uma das fachadas. Essa “base natural” é sucedida em altura por outra de pedra, com dois pavimentos dedicados aos ambientes sociais; por um pavimento cercado por muxarabi de madeira (dormitório); e finalmente, na cobertura, por um volume rotacionando e metálico que contém ambientes de um home-office.

 

 

A construção está orientada para o noroeste, garantia de boa insolação e também da vista favorável para o Parque Tingui, em Curitiba, e exceto nas amplas faces envidraçadas das salas junto à piscina, as janelas estão em segundo plano de visualização. Ora assumindo a forma de rasgos ou “escavações”, menciona o arquiteto, ora ocultas pelo muxarabi de madeira, o que serve para conferir ao embasamento social a imagem de um volume íntegro e tectônico, com as pedras das fachadas fazendo as vezes do próprio terreno.

A Encosta, assim, é exemplo de projeto de Bertoldi onde a habilidade no emprego dos materiais faz a diferença, mas nela incide outra questão central da sua produção: a topográfica. “A topografia é impulsionadora dos meus projetos e, como no geral entre os arquitetos, gosto de desenhar casas para terrenos acidentados”. Bertoldi menciona a esse respeito o projeto da Casa LM, projetada em 2008 em Curitiba. São seis os apoios de concreto a sustentarem a construção suspensa no lote íngreme, com “nada de corte nem de aterro. A fauna, a flora, o olho d’água, está tudo intacto lá embaixo. Todas as garagens e acessos têm piso de grelha, permitindo a completa regeneração da natureza. Procuro deixar o terreno no seu estado natural e, quando isso é impossível, a ideia é fazer com que a reconstrução da natureza seja parte ativa do projeto”, menciona o arquiteto.

 

Casa da Encosta (Foto: Eduardo Macarios)

 

O curitibano se especializou em arquitetura paisagística no mesmo ano da graduação como arquiteto e urbanista, em 1982, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), e, para ele, “paisagismo é tudo o que está do lado de fora da porta da casa, é também o chão do projeto”. Chão tanto no sentido do lugar onde se pisa mas também da ação sobre o terreno: “o paisagismo começa na implantação do projeto, nos cortes e aterros, na compreensão da interferência da construção na paisagem. Entendo o terreno como fragmento de uma paisagem”, declara. Isso faz pensar sobre uma das particularidades dos seus projetos residenciais, concentrados em Curitiba e cidades vizinhas, no Paraná, mas presentes também em São Paulo e Santa Catarina. O clima rigoroso, com frio intenso, não favorece a promoção de zonas intermediárias, cobertas mas abertas, constantemente instrumentalizadas nas casas brasileiras para a simbólica dissolução visual dos edifícios na paisagem. Em princípio, o fato poderia colocar em dificuldade um arquiteto atento à inserção harmônica da construção na paisagem por causa da pouca recorrência de vazios mas, ao contrário, foi condição estimulante à criatividade de Bertoldi, nutrida pelo seu domínio do uso dos materiais e por sua formação paisagística.

A suspensão da Casa LM preserva o terreno, mas a criação de um pátio interno serve para remediar a orientação da vista favorável, voltada para o sul. Pelo vazio central, assim, para o qual se voltam as fachadas internas da residência, incide a luz do sol nos interiores, mitigando o sombreamento predominante na constituição arquitetônica. Situação análoga ocorre na Casa MSBS (2018-2020), onde o atendimento da demanda por se criar uma varanda sombreada motivou o aumento do pé-direito do estar e, com ele, da fachada envidraçada voltada para a piscina, de modo a ampliar a insolação dos interiores.

 

Casa Thomé Beira da Silva (Foto: Leonardo Finotti)

 

 

Constituição e crescimento do escritório

A varanda da MSBS é um tipo de encomenda influenciada pela arquitetura de outras cidades brasileiras, não necessariamente compatíveis com o clima curitibano. Mas as referências nem sempre são problemáticas, por vezes são também impulsionadoras de novos horizontes profissionais. É o que está em curso no escritório de Marcos Bertoldi, constituído atualmente por dez funcionários (Felipe Chimanski é sócio) e ele, graças à importante afluência de projetos para o mercado imobiliário – sobretudo de Santa Catarina mas também de Curitiba.

Depondo sobre a sua formação profissional e momentos da carreira, Bertoldi narra com extrema tranquilidade a decisão pela profissão – “desde sempre soube que queria ser arquiteto”, declara. Rememora, assim, um momento marcante da infância, quando presenciou o pai (não arquiteto) desenhando os telhados das casas vizinhas: “descobri que se podia transformar paisagem em desenho”. Aliás, ele vê no desenho um fator determinante da sua vivência na faculdade, tanto por ter facilitado o ingresso na segunda turma da PUC/PR por causa do grande peso dado à prova de aptidão, quanto pela personalidade dos colegas de classe com quem formava os grupos de trabalho: “pessoas que vinham das Belas Artes ou já estagiários em escritórios de arquitetura”.

 

 

Desde sempre soube que queria ser arquiteto… descobri que se podia transformar paisagem em desenho”

 

Ele próprio, no entanto, optou por não cursar estágio durante a universidade a fim de se dedicar ao máximo à graduação. “É lento o meu processo de pensar e de desenhar a arquitetura, então, não funcionaria dividir o meu tempo de estudante com o de estagiário”. O curso começou em 1977 e ao término, em 1982, institui-se na escola a especialização em arquitetura paisagística. “Meus ex-professores de paisagismo se tornaram colegas de turma [da pós-graduação], e tivemos a oportunidade de rever a Rosa Kliass, o Fernando Chacel, o Aziz Abi’saber, que vinham de São Paulo”.

Depois de formado, foi o momento de uma viagem sabática, de modo que o escritório próprio – “sempre soube que não queria trabalhar em outros escritórios” – esperou dois para ser constituído, em 1984. “As poucas encomendas eram tendencialmente de projetos de interiores, como da unidade curitibana da marca de vestuário feminino Huis Clos, de 1985. “Os clientes eram pessoas da minha idade mais ou menos, eles é que abriam a possibilidade para os jovens arquitetos locais iniciarem carreira. Me dediquei, então, a participar das mostras da Casa Cor em Curitiba e fiquei conhecido como arquiteto de espaços contemporâneos”. O escritório funcionava em uma pequena sala alugada em prédio do centro da cidade e, com poucos trabalhos, apenas em 1994 é que começou o projeto da primeira casa de Bertoldi a ser construída, e em parceria com o arquiteto Haraldo Hauer Freudenberg – formado um ano antes de Bertoldi na PUC/SP, foi seu sócio por breve período: fruto de “um primeiro e quase imperceptível crescimento do meu escritório, lá pelos oito anos de existência”.

Depois, aumentaram as encomendas de casas, um movimento espontâneo já que “nunca fui assertivo em prospectar trabalho, apesar de ter sempre me preocupado em divulgar minha arquitetura”, explica. O profissional, então, se estabeleceu em uma pequena residência no centro da cidade, até que mais recentemente decidiu por trabalhar em casa – no subsolo de uma casa projetado por Vilanova Artigas.

Sobre o lento processo da consolidação e crescimento do escritório – “nunca houve mais de dois funcionários trabalhando comigo nos primeiros 30 anos” – Bertoldi atribui o fato à própria segmentação do mercado local e à concorrência desleal entre os profissionais há, sobretudo, 20 anos. “A remuneração era menor para projetos comerciais e, no início, eu não era visto como um possível autor de residências. Depois, passaram a me ver como não acessível para projetos comerciais, e alguns deles fui desenvolver em outras cidades, como a loja do  Reinaldo Lourenço no shopping Iguatemi, em São Paulo. Penamos muito para conquistar espaço no mercado de trabalho e temos que ficar nos explicando, sempre, de que somos capazes de criar projetos para áreas diversas”.

Por volta de 2015, no entanto, o escritório passou a ser solicitado para projetar edifícios para o mercado imobiliário, o que coincidiu com o ingresso de Felipe Chimanski na equipe, o seu atual sócio. Bertoldi identifica nesse movimento a reverberação no sul do país de iniciativas de empreendedores paulistas dedicados para dar caráter autoral aos edifícios, bem como à chegada ao comando das empresas de executivos mais jovens. “Senti que já tinha nome consolidado no mercado e experiência suficiente para investir nessa área. Deu certo, hoje somos dez pessoas mais eu aqui no escritório, é o nosso momento de maior crescimento”. Sobre as alterações necessárias no escritório para absorver os projetos imobiliários, Bertoldi menciona estar formando uma equipe dedicada ao setor. “É muito dinâmico e a parte legal é complexa. Trabalhamos com limites super estreitos”.

A maior parte dos projetos em andamento é para terrenos nas praias de Santa Catarina, mas há também edificações residenciais em desenvolvimento em Curitiba – como o Verdigris. “A materialidade do edifício, tributária da pedra natural, de tonalidade cinza e acabamento rústico com paginação exclusiva, reforça o aspecto sólido da volumetria com suas aberturas laterais parecendo escavações na rocha” escreve o autor, no memorial do projeto. (Por Evelise Grunow)

 


Veja outros projetos do arquiteto:

 

Casa Hauer Freire, Curitiba

 

Casa Vertical, Curitiba

 

Casa LM, Curitiba

 

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