O arquiteto Hans Broos

Entrevista: Hans Broos

Arquiteto austríaco, com mais de 350 projetos em seu acervo, fala sobre sua formação e trabalhos realizados no Brasil

De família alemã, Hans Broos nasceu na Áustria, em 1921. Iniciou seus estudos de arquitetura na Universidade de Praga, Checoslováquia, e concluiu-os em 1948, em Brunswick, Alemanha. Mudou-se para o Brasil em 1954, quando tinha 33 anos, e revalidou seu diploma em 1957, na Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, com tese de graduação em que faz um estudo sobre a arquitetura dos açorianos no litoral catarinense. O trabalho recém-publicado com o título Construções antigas em Santa Catarina, através de parceria entre a editora Cultura em Movimento, a Fundação Cultural de Blumenau e a Editora da UFSC.

Depois da passagem pelas cidades do Rio de Janeiro e de Blumenau, Broos estabeleceu-se em São Paulo. Nesta entrevista, ele fala, entre outras coisas, sobre a redescoberta desse trabalho esquecido, sobre sua formação e comenta alguns de seus trabalhos realizados no Brasil – dando destaque, principalmente, a igrejas e fábricas, que ele classifica como semelhantes, por causa do “condi cionamento do espaço”.

Aos 84 anos, o arquiteto Hans Broos mantém-se em atividade em seu escritório paulistano. Hoje, seu trabalho consiste em atender a antigos clientes, pensar soluções para o futuro da cidade e organizar o acervo de sua produção, composto por mais de 350 projetos. Figura pouco estudada do brutalismo paulista, Broos e sua obra são personagens em busca de um autor.

 

O senhor é alemão?

Não. Nasci na Áustria, de família alemã. Entrei na universidade em Praga, onde dei os meus primeiros passos como aluno de arquitetura. Terminei o curso na Alemanha por causa da guerra, e em Brunswick colaborei na reconstrução da cidade.

Os cursos que o senhor fez, tanto em Praga como na Alemanha, tinham a formação mais voltada para belas-artes ou engenharia?

Quem queria chegar à faculdade de arquitetura tinha que aprender profissões práticas, como carpinteiro e pedreiro. Além disso, tínhamos de viajar e conhecer a Europa: a torre de Pisa, na Itália, a Grécia. O ensino era mais prático. O que me ajudou muito no Brasil foi justamente o fato de que, como arquiteto e engenheiro, eu sabia fazer alvenaria, fundações etc.

Qual dos seus professores se destacava?

O professor que, para mim, foi o responsável pela intensificação do pensamento, da imaginação, nem era arquiteto: chamava-se Egon Eiermann e trabalhava para a UFA, produtora de filmes em Berlim. Cheguei a ser assistente de Eiermann – fizemos a reconstrução de um velho templo em Berlim. Um dia, ele me perguntou: “O que vamos dizer hoje aos alunos?”. Eu lhe disse que falasse sobre Le Corbusier. Como ele não conhecia Corbusier, enviou-me à Suíça para que eu trouxesse as novidades.

O que o senhor aprendeu com ele?

Aprendi que a massificação no urbanismo nos retira a própria fala. Como a arquitetura foi supercarregada pelos arranha-céus, pela má ambientação, não existe nada que fale. O que se vê em São Paulo? Estamos em um mato de arranha-céus, não há espaço, visão, mas apenas poeira, e praticamente nada funciona. Isso é um sinal de colapso, deixou no esquecimento o mais importante para a arquitetura, que é falar sem palavras.

Como se faz para um ambiente falar?

Falamos por rádio, telefone, reuniões, mas isso é insuficiente. A população é tão grande que não há palavras para educar o povo. A massa precisa ser educada pela arquitetura, não a individual, de prédios, mas principalmente pelo urbanismo.

Em São Paulo, o urbanismo é uma das maiores misérias. Veja o que aconteceu na praça da Sé. A gente sente isso na rua, muitos carros, poeira. A única coisa que funciona em São Paulo é a arborização, que, apesar de toda essa miséria, é formidável. Já o transporte… O Anhangabaú, que era uma veia importantíssima no início, viu a miséria que está?

O senhor se considera mais arquiteto ou urbanista?

Minha equipe fez muito sucesso, ganhamos muitos prêmios, fizemos obras importantes. O fato é que a obra singular desaparece na massa dos arranha-céus. Temos projetos em andamento, a ser desenvolvidos, mas não existem empresas ou construtoras que se interessem por isso. O ensino hoje é preparativo para acompanhar a evolução tecnológica e um símbolo disso é o computador, que não pensa. Esqueceram que o arquiteto, no passado tinha, que fazer trabalhos manuais. Temos que engolir esse passado para conhecer seu valor, e assim enfrentar o presente.

Como foi sua vinda da Alemanha para o Brasil?

A Europa é pequena e na época era comum que os países estivessem em guerra. Não existiu geração que não tenha passado pela guerra. E pensei comigo: em vez de esperar a próxima guerra, vou conhecer o mundo. Então cheguei ao Brasil. Hoje, a Europa, apesar de seu território pequeno, está preparada para um futuro formidável. E nós, no jovem mundo, fantástico, com tanta mata e boas condições naturais, estamos em uma situação precária.

O senhor descreveu a Europa como tendo um futuro formidável. O senhor deixou-a por causa da guerra, mudando-se para um lugar que era o paraíso, mas agora tem uma perspectiva de futuro dramático. Qual sua visão sobre essa contradição?

Vejo como uma obrigação de trabalhar para que seja evitado o caos. Mas somos instrumentos, não somos o que queremos. Não posso fugir dessa percepção. Se eu voltar para Berlim, vou encontrar problemas completamente diferentes. A Europa tem condições formidáveis para o futuro. Berlim, Paris, Londres estão organizadas como pequenos centros, onde toda a população tem acesso e voz para influenciar. Enquanto aqui em São Paulo não há condições, tudo é uma massa. Isso se verifica nos arranha-céus, ou seja, a fala é do urbanismo. Convidam-me para fazer aula disso ou daquilo, são sempre fracassos. Não se trata de só falar, tem que fazer. Temos um centro com jovens da mesma opinião, que precisam continuar isso. Eu já sou um homem velho.

O senhor conhecia alguém por aqui?

Não. Só tinha contato por carta com conhecidos de Blumenau. O Brasil era o novo mundo. Um território enorme, natural, intacto e muito humano. Nunca tinha tido contato com a arquitetura brasileira.

Quando chegou ao Brasil o senhor passou uma temporada no Rio de Janeiro, não?

Foram dois ou três anos. Fui educado por jesuítas e franciscanos e quando cheguei ao Brasil procurei esse mesmo tipo de organização religiosa. Encontrei no Rio de Janeiro dom Lucas Mayerhofer, o grande reconstrutor das missões jesuíticas do Sul e fui assistente dele. Ele sabia que eu era formado, me convidou para dar aula.

Depois o senhor foi para Blumenau ou veio para São Paulo?

O então ministro da Cultura, Pedro Calmon, me disse: “Não quero acreditar que um profissional formado na Europa venha para o Brasil sem conhecer o país. Você não sabe em que miséria vivemos. Você tem que dizer o que faria no meu lugar, para que seja comprovada sua adaptação ao país”. Eu falei que faria um projeto de centro de ajuda à população da mata e usaria árvores para fazer uma espécie de modelação de troncos.

Ele me respondeu que a idéia era boa, mas já havia projeto semelhante em andamento. Então sugeri a reforma de uma estrutura antiga do Rio de Janeiro, mas ele ponderou que também já existiam organizações cuidando disso. Ele sabia que eu morava em Santa Catarina e disse que precisava de ajuda para fazer um levantamento da zona dos açorianos que vieram de Portugal e ocuparam o Sul do estado.

O senhor passou quanto tempo fazendo esse levantamento?

Quase dois anos. Esse trabalho foi distribuído para 40 departamentos de cultura de todo o país. Depois cheguei em São Paulo e isso foi esquecido completamente, pois eu estava cheio de serviço. Em 1995, estava conversando com o arquiteto Vítor Hugo Mori, que trabalhava no Centro Cultural São Paulo, sobre a adição de óleo de baleia ao concreto. E ele disse que já tinha lido isso em um livro antigo que havia na biblioteca. E foi apanhar o meu livro. Trouxe o exemplar para o escritório, e o jornalista Orlando Maretti viu-o, leu e disse: “Esse não é um livro de arquitetura, mas de cultura. Não terei paz enquando não fizermos disso um novo livro”.

Fale um pouco sobre algumas obras realizadas pelo senhor.

Poucos sabem, mas ajudei Francisco Brennand a organizar seu ateliê no Recife. O impressionante para mim nessa época foi que dentro de um desses fornos de cerâmica ele tinha o escritório. Depois, utilizei a cerâmica dele em diversos projetos, como na abadia de Santa Maria, em São Paulo, 1976 e na minha casa, também em São Paulo, 1987.

Em Olinda, trabalhei na reformulação da cidade; em São Carlos, interior de São Paulo, fiz a fábrica da Faber-Castell. Mas os projetos religiosos foram os que mais chamaram a atenção.

Em Olinda o senhor trabalhou com Gilberto Freyre?

Trabalhei muito com Gilberto Freyre. Trabalhamos no desenvolvimento da filosofia, palestras, reuniões. Praticamente, em todo lugar, a história do que era original e o que aconteceu depois. Tenho uma porção de desenhos e fotografias.

O que o senhor fez em Olinda?

Em Olinda, fiz urbanismo. As ruas, as partes da cidade eram adaptadas à natureza. A vista da cidade como um todo era formidável. Ao norte as coisas mais antigas, por exemplo, os mosteiros e as obras antigas de referência, como o palácio do governo, são obras de arte. Ajudei na recuperação delas, e cheguei ao interior do estado. Morei em Olinda por muito tempo.

O senhor trabalhava com restauração de obras antigas ou apenas com urbanismo?

Fiz de tudo, até uma prefeitura de pau-a-pique, no interior de Pernambuco. Para um grande empresário que produzia cordas para os navios em Natal, fiz um aeroporto.

Existiu algum arquiteto brasileiro com quem o senhor teve mais contato?

Eu estava sempre nas reuniões do IAB, mas há algum tempo sofri um acidente, caí, e precisei de uns três anos para conseguir pensar com clareza novamente. Com o acidente perdi esse contato, e nesse ínterim a cidade e o ambiente mudaram bastante.

O senhor usou com freqüência a linguagem do concreto aparente. A que atribui esse uso: influência direta de Le Corbusier ou um estilo da época?

Na época em que comecei, a grande inovação da tecnologia foi a passagem da pedra para o concreto. Não existia igreja ou capela que não fosse de pedra, se possível de pedra natural. Até que houve a descoberta de materiais resistentes, descobertos pela mistura da cal. Conhecia-se o cimento, e com adição de óleo de baleia ele fica mais resistente. Mas na minha época houve justamente a luta para esse novo material – o concreto. Corbusier aplicou isso, mas estava praticamente na mesma situação dramática que eu. Cheguei ao Brasil justamente na hora em que o concreto era novo, praticamente pronto para ser aproveitado. Mas ainda se discutia como misturar. Eu utilizei o óleo de baleia.

Qual foi a primeira obra com concreto aparente que o senhor fez?

Uma das primeiras obras que me deram foi a igreja de São Bonifácio, na Vila Mariana, em São Paulo. Fui convidado para fazer o desenho do templo da comunidade alemã de São Paulo. Depois de conhecer o terreno, desenhei por toda uma noite. Três dias depois chegou a notícia de que eu havia ganho a concorrência. Uma série de projetos estavam concorrendo, fui o último a apresentar e ganhei.

Meu croqui é igual à igreja como foi executada, de concreto. Foi uma revolução. As pessoas diziam: “Esse alemão propôs uma igreja de concreto, imagine o desastre”. Não sei de que forma intercedeu em meu favor o então cardeal arcebispo dom Agnelo Rossi. Acabei ficando muito próximo dele

E a construção seguiu.

Houve outro episódio interessante. Como a igreja era de concreto, todos tinham medo da vibração. Já estavam prontas a plataforma principal e duas paredes laterais, quando procurei um engenheiro acústico para resolver o problema. E me indicaram Paulo Maluf. Ele disse: “Isso precisa de Eucatex”. Eu respondi que não era possível, pois parte do concreto tem um alto-relevo realizado com painéis plásticos. Mas ele insistiu. Então propus uma aposta: disse que inventaria algo que fizesse funcionar a acústica. Ele topou.

Lembrei minhas viagens para a Grécia, onde os teatros são de mármore e embaixo é oco, e a acústica é perfeita. Então construí na igreja um teto de duas camadas e fiz buracos em cima, a vibração passa por lá. Funcionou como nos teatros gregos.

E Maluf pagou?

Pagou, e ainda me convidou para trabalhar com a equipe dele, mas não fui. E a igreja ganhou o prêmio Rino Levi, como melhor obra do ano.

O senhor nunca projetou um arranha-céu?

Eu sempre fiz prédios individuais, em princípio muitos mosteiros e fábricas, que, de fato, são projetos parecidos. Se o projeto de uma fábrica é bom, os operários se sentem como uma comunidade, e o mesmo ocorre em uma igreja. Quando isso não acontece, só tem briga e poeira.

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