Estrevista Guto Índio da Costa: o designer fala sobre o momento atual, sobre design brasileiro e sobre o sistema de transporte público TEX

Quando o assunto é design brasileiro de sucesso, Guto Índio da Costa é do time dos profissionais sempre lembrados. Diferentemente dos irmãos Campana, contudo, sua atuaçãoé própria da escala industrial, seja no segmento popular ou de luxo. Os exemplos são seus projetos para lavadoras de roupas e fogões de baixo custo e, na outra ponta, o desenho de equipamentos com eletrônica sofisticada.

Quando o assunto é design brasileiro de sucesso, Guto Índio da Costa é do time dos profissionais sempre lembrados. Diferentemente dos irmãos Campana, contudo, sua atuação
é própria da escala industrial, seja no segmento popular ou de luxo. Os exemplos são seus projetos para lavadoras de roupas e fogões de baixo custo e, na outra ponta, o desenho de equipamentos com eletrônica sofisticada.
A crise financeira afetou o planejamento do seu escritório?
Alguns clientes adiaram projetos que estavam para começar, mas posso dizer que a crise não nos afetou diretamente. Ou melhor, causou-nos até um efeito inverso, porque no momento da crise os empresários se obrigam a repensar suas estratégias, seus produtos. Enquanto está todo mundo vendendo, a preocupação é só produzir, produzir e produzir. Houve, então, clientes que aceleraram os projetos conosco. Cortaram os seus custos extras e focaram no lançamento de produtos. Muitos deles concorrem com equipamentos importados, que foram muito afetados tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Os brasileiros identificaram nisso uma oportunidade é uma estratégia interessante.
A indústria de luxo foi a menos afetada?
Acho que o segmento popular não sentiu nada da crise. Pelo contrário, o IPI em baixa tornou a situação até favorável.
Qual a relação proporcional desses segmentos de projeto no seu escritório atualmente?
Eu não saberia dizer. Temos trabalhado muito com projetos de alta tecnologia, com equipamentos sofisticados, destinados às transações bancárias, por exemplo. Mas também trabalhamos com o segmento popular, produtos do dia a dia. Acho que a crise traz imensas oportunidades, pois os industriais têm que ser mais competitivos.
O cenário só não é favorável para o tema sustentabilidade, o primeiro a ter orçamentos cortados, não é verdade?
Isso é uma pena. Uma das repercussões positivas do fato de o barril de petróleo ter batido em 140 dólares foi viabilizar fontes alternativas de energia. Até a energia solar começava a se pagar naquele contexto. Agora, com o preço despencando novamente para cerca de 40 dólares o barril, foi refreado aquele impulso enorme na direção de outras fontes energéticas. Também as empresas quando se desestabilizam deixam de lado aquilo que consideram menos emergencial.
Que funções pode desempenhar o designer nesse cenário?
Tenho percebido a disseminação da expressão design thinking, que é o raciocínio do desenho levado a outras áreas. No design, para que seja gerado algo novo, o raciocínio utilizado é ainda aquele que aprendemos na escola, baseado no erro e acerto. Você é punido pelo erro. O raciocínio lateral é o oposto, baseado em um exercício enorme, repetitivo, em que se enxergam alternativas inovadoras a partir do erro. Isso está começando a influenciar uma série de outras áreas, inicialmente a dos negócios. É o design entrando cada vez mais nas decisões estratégicas. Acho que seria fantástico se os designers atuassem na política, mas, pelo menos no Brasil, essa é uma área ainda tão hermética! Seria sensacional se eles pudessem canalizar a sua criatividade em busca de soluções que melhorassem a qualidade de vida das pessoas. Teríamos muito com que contribuir.
Há, então, potencial para o designer no domínio público?
É algo que vai acontecer. A Califórnia, por exemplo, sempre esteve aberta a esse tipo de atuação. Lá, há muitos anos já estimavam que parte dos carros deveria ser elétrica, não poluente. De certa forma isso foi cumprido, por consequência da lei. Estive na Califórnia há uns dois anos, no primeiro seminário sobre mobilidade urbana sustentável, e a discussão era toda voltada para a reversão do uso do carro individual, considerado um modelo falido. As cidades estão hoje completamente dominadas por automóveis, as garagens tomaram proporções imensas, os prédios por vezes são distantes da rua porque têm andares e mais andares de estacionamento. No seminário, durante três dias, cientistas, físicos, químicos, designers, gente da indústria e políticos discutiram alternativas a esse modelo.
O senhor apresentou algum projeto naquele seminário?
Sim, apresentei o projeto do Tex.
Houve receptividade à ideia?
O público reagiu de forma extremamente positiva. Foi curioso porque, na época, eu imaginava que o seminário apontaria uma porção de soluções para a questão da mobilidade urbana, mas o que se fazia era discutir o problema o tempo todo. Minha apresentação foi a única a indicar uma solução urbana, de maior escala e inovadora. De resto, eram soluções já conhecidas, como a que pensa em automóveis comunitários. Ou seja, a ideia é alugar carros elétricos, não poluentes, equipados com baterias que seriam carregadas por coletores de energia solar instalados no corpo dos edifícios. Outra proposta que achei inteligente, e que tem a ver com a comunicação instantânea, revolucionava o uso dos aparelhos celulares. Los Angeles tem faixas nas vias urbanas exclusivas para carros que transitam com mais de um passageiro, e tiveram a interessante ideia de promover a comunicação entre essas pessoas para que, através de uma central de informações, fossem formados grupos com trajetos compatíveis. Li recentemente num jornal que em Nova York, por exemplo, está em discussão a proposta dos táxis comunitários, que teriam sinalizado o seu destino para que passageiros pudessem compartilhá-los. Haveria até destinos preestabelecidos, como acontece com os ônibus, com o pagamento de uma taxa fixa pelo passageiro, algo como três ou quatro dólares. É sempre uma questão de aproveitamento de espaço, principalmente para os americanos que têm aqueles carros enormes. Acho que há muitas soluções para serem testadas.
Quantas vezes o senhor apresentou o projeto Tex em seminários e reuniões com empresários e políticos?
Não sei, já perdi a conta.
Tenho percebido a disseminação do design thinking, que é o raciocínio do desenho levado a outras áreas. Seria fantástico se os designers atuassem na política, mas no Brasil essa área ainda é hermética. Teríamos muito com que contribuir.
Esses eventos são mais frequentes no Brasil ou no exterior?
Tive uma experiência recentíssima em Dubai [capital dos Emirados Árabes Unidos]. Participei de um encontro internacional que reuniu países da África e do Oriente Médio, para discutir a respeito da infraestrutura urbana. Havia desde especialistas em água – que lá é um problema – até técnicos em ar condicionado. Chega a fazer 50 graus em Dubai, é um clima muito hostil. Foram feitas algumas contas e concluiu-se que a climatização localizada dos edifícios é muito mais custosa do que a de bairros inteiros a partir de um prédio gerador. Depois que voltei de Dubai percebi que o clima no Rio de Janeiro é muito agradável, o Oriente Médio é realmente inóspito. O calor é muito mais rigoroso, a atmosfera tem muita areia em suspensão, tanto a do deserto quanto a Maurípoeira das obras. A sensação é de estar num dia de mormaço aqui do Brasil, só que sob um sol intenso, um fog quente. O verde não é tão verde, o azul do céu não é tão azul, o ar é extremamente seco e nem a paisagem é interessante.
Para quem o senhor apresentou o Tex no seminário?
Principalmente para o grupo de transportes, que reunia representantes de várias cidades e de diversos países, com seus ministérios e seus agentes. Enfim, apresentei umas 18 vezes o Tex.
O problema de congestionamento é crítico lá também?
É um problema mundial. Até nas ilhas
Maurício, onde está sendo construída uma
nova capital, há engarrafamentos. Mostrei
o Tex para uma pessoa de lá e ele disse
que o sistema tem aplicabilidade na ilha, não podia imaginar uma coisa dessas.
O trajeto entre o aeroporto e os hotéis, por
uma estradinha de 40 quilômetros, tem
demorado duas horas e meia nas ilhas
Maurício. Deve ser a coisa mais frustrante
para um turista que chega a um paraíso
como aquele. É interessante como o modelo
individual de transporte ganhou tamanha
disseminação pelo mundo. Meu pai
estava comigo em Dubai e observou o
curioso fato de os códigos de trânsito de lá
serem iguais aos nossos, no outro lado do
mundo. Em todo lugar há asfalto, os guardrails
e as sinalizações são muito semelhantes.
Enfim, a indústria automobilística
promoveu a massificação do modelo que
lhe é favorável. Quem pagou as grandes
avenidas em Los Angeles, por exemplo, foi a indústria automobilística. Como é que o
Rio de Janeiro desmontou todo o sistema
de transporte por bondes, que era ótimo,
para investir num modelo todo movido por
automóveis? Há, contudo, um significativo
movimento mundial contrário a esse
modelo, que inclui a restrição ao deslocamento
pelos centros históricos das cidades
europeias. Em Londres e Milão se paga
um pedágio para entrar com carro no centro.
Vai começar agora a restrição crescente
à circulação dos automóveis individuais.
Num cenário como o do Brasil, é absurdo pensar em identidade, e não é algo que eu busque em meu trabalho. O que temos de exclusivo é uma fantástica diversidade de matérias-primas, que pode trazer ao design brasileiro uma identidade incrível.
Quais as chances de implantação do Tex?
Tenho grandes esperanças. Fui a Dubai porque alguns países do Oriente Médio estão investindo fortemente em novas tecnologias. Em Abu Dhabi, por exemplo, a cidade de Masdar [proposta de um distrito modelo, cujo plano diretor foi desenhado pelo escritório de Norman Foster] será uma experiência incrível com 100% de sustentabilidade, livre de automóveis. Bolaram um sistema curioso de trilhos horizontais elevados, inéditos no mundo, que permeiam toda a cidade, equipados com veículos projetados para até seis pessoas. Você escolhe o seu destino como se estivesse em um elevador, guiado por mapas da área e monitorado eletronicamente a fim de evitar congestionamentos. Existe, então, oportunidades fantásticas para a utilização de produtos inovadores. Fui lá apresentar o Tex para ver se conseguia o apoio do poder local e o resultado é que nós tivemos muita atenção dos altos escalões. A vantagem é que rapidamente você chega àquele que decide, o sheik. Não existe Câmara de Vereadores, não há aquele número enorme de leis no caminho, é um processo absolutamente transparente, simples e fácil. Temos um representante local e nos reunimos com a cúpula do setor de transportes.
Abriram-se várias portas também na África do Sul, na Arábia Saudita, nas ilhas Maurício, enfim, coisas que eu nem podia imaginar. Aliás, o Tex é sempre um projeto que passa por duas reuniões: com o gerente e com o presidente. E, sem dúvida, Masdar é uma promessa, uma cidade nova, toda experimental. Haverá, em todo o território, captação de energia solar através das coberturas das edificações. Além disso, o abastecimento é todo planejado. O que a cidade consome é fabricado ali ao lado, para evitar a necessidade de grandes deslocamentos. É incrível. Também Abu Dhabi trabalha num plano de transportes para 2030. É um planejamento invejável.
E no Brasil?
Estamos em conversa com diversas cidades, principalmente com a interlocução de uma série de fundos de investimentos.
Aliás, a propósito de Brasil, faz sentido falar em identidade do design brasileiro?
Eu respondo com outra pergunta: qual é a identidade do brasileiro? O país tem uma multiplicidade tão grande de identidades, do Norte ao Sul, no Nordeste e no Sudeste. É diferente, por exemplo, de países como a Dinamarca, a Itália, a Alemanha, enfim, de países menores, mais próximos de norte a sul do que nós. Eles são caracterizados por situações econômicas homogêneas, o oposto de nós. Vá a uma praia do Rio de Janeiro e veja quantas diferenças existem. Por vezes nosso maior exportador é a Embraer e por outras é a Vale do Rio Doce. A primeira fabrica a coisa mais sofisticada que existe, o avião, e a segunda fornece minério de ferro bruto. É um absurdo pensar em identidade num cenário como esse, e não é algo que eu busque em meu trabalho. Agora, sem dúvida, o que temos de exclusivo é uma fantástica diversidade de matérias-primas. Isso sim, se bem aproveitado, pode trazer ao design brasileiro uma identidade incrível.
O que o motivou a ser vice-presidente da Associação Brasileira de Empresas de Design, a Abedesign?
Participo da Abedesign desde a fundação da entidade. Sempre achei necessário que se criasse uma associação de empresas de design, não de designers individuais com interesses divergentes, e hoje ocupo a vice-presidência. Dá um trabalho danado, mas é recompensador por causa das conquistas.
Quais, por exemplo?
Há as conquistas endógenas e as exógenas. Primeiro, os designers se juntaram, sentaram na mesma mesa por um dia e, passada a fase inicial de lavagem de roupa, começamos a ver que tínhamos problemas em comum, que poderíamos nos ajudar mais do que nos atrapalhar mutuamente. Segundo, o convênio que fizemos com a Apex [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos] nos trouxe ótimas oportunidades de vender serviço fora do Brasil, vender produto e, finalmente, colocar em contato designers e empresários para enxergar novas estratégias de atuação. Isso tudo que estou resumindo em poucas palavras foi um processo que levou dois anos ou mais. E acredito que a Apex nos ajudou a tornar o design brasileiro realmente relevante. O Brasil Design Week foi o primeiro evento nesse sentido, ocorreu no Rio no ano passado e já foi incorporado ao calendário. Será realizado em São Paulo este ano. A Apex trouxe jornalistas internacionais para conhecer nossos escritórios e vários designers brasileiros foram publicados em revistas italianas, alemãs.
Também o design brasileiro se mostrou mais maduro para impulsionar essas transformações?
Quando me formei e voltei para o Brasil, nos anos 1990, o design estava muito decadente. Reclamavam que tudo dava errado, que tudo era ruim, que não havia investimento. Em uma determinada reunião, em meio a esses resmungos, disse que a pequena Bali havia transformado o design local, com seus móveis de palha, numa verdadeira potência. Como é que nós, designers, não conseguíamos ser agentes transformadores da realidade empresarial brasileira? Fui muito malvisto naquela reunião, mas felizmente é algo que ficou para trás. Hoje, o design brasileiro tem empresas de porte, existe profissionalismo, há uma criatividade enorme.
O ventilador Spirit foi o seu projeto de maior sucesso?
Curiosamente, não. Os fogões e as geladeiras populares que nós desenhamos vendem muito mais do que o Spirit, na relação de um mês para um ano, mais ou menos. Mas ao Spirit cabe o mérito de ser um projeto muito feliz por ter se diferenciado fortemente da categoria e promover o design. Era um produto assinado. Eu me tornei quase o garoto-propaganda do ventilador, e o empresariado percebeu que design não é frescura.
Quais designers inspiram sua criação?
Acho que um profissional que mudou a linguagem de maneira forte e consistente foi Hartmut Esslinger, fundador da Frog Design. Vínhamos repetindo o conceito de que a forma segue a função e ele evoluiu para a forma segue a emoção. Percebeu que, estando resolvida a qualidade dos produtos, o design deveria ser emocionalmente cativante, diferente. Foi um marco divisório do fim do século 20. Também tive a oportunidade de trabalhar com Jacob Jensen, um designer incrível dos anos 70, que fez todos os produtos da Bang Olufsen. Sujeito visionário. Enfim, admiro muito o trabalho de Alex Neumeister, ligado aos transportes, de Ron Arad, que considero um experimentador fantástico, e até de Philippe Starck. Acho que ele tem trabalhos excepcionais e, acima de tudo, um papel fundamental no design mundial. Foi o grande marqueteiro.
Em uma reunião, disse que Bali havia transformado o design local, com seus móveis de palha, numa verdadeira potência. Como é que nós, designers, não conseguíamos transformar a realidade empresarial brasileira?
Como está evoluindo o processo de implantação daqueles quiosques envidraçados na orla do Rio de Janeiro?
Mais devagar do que gostaríamos. Vão terminar primeiro o trecho de Copacabana.
O senhor acompanhou pelos jornais a polêmica sobre a demolição da passarela do Rio-Cidade Ipanema?
Sim, mas prefiro não opinar, em respeito ao meu amigo Paulo Casé. A passarela é o problema, dizem que vão colocá-la abaixo. O prefeito Eduardo Paes está destruindo tudo por lá, no bom sentido. Estão sendo demolidas uma porção de construções irregulares.
O que o fez conceber o projeto do Tex?
Na minha casa havia uma restrição grande às motos. Meu pai, aos 18 anos, sofreu um grave acidente de carro e durante o mês e meio em que esteve internado no hospital sempre ouvia, às sextas-feiras, os gritos das pessoas que chegavam acidentadas com moto. Isso passou a ser um tabu em casa, embora nossa educação tenha sido bastante liberal. Mas quando fiz 30 anos comprei uma moto. Na época, eu morava num trecho lindo do Rio de Janeiro, na lagoa Rodrigo de Freitas, perto da rua Epitácio Pessoa. É a parte que tem um dos engarrafamentos mais antigos da cidade, reflexo da movimentação pelo túnel Rebouças. Com a moto, tive a fantástica sensação de me mover numa imensa avenida, livremente, em meio ao trânsito. O espaço que sobra para as motos entre os carros é enorme, lembro-me de achar graça daquilo. Isso me chamou a atenção para o espaço perdido que há em meio às cidades, algo que não percebemos quando estamos dentro dos carros por pura falta de atenção e de perspectiva. Acho que me influenciou também o fato de eu ter começado a andar de moto já com mais idade. Enfim, foi revelador contrapor essa imagem de deslocamento fluido com a dos ônibus sempre lotados. Saiu daí o Tex, que ocupa pouquíssimo espaço, trafega por cima dos carros e depois para em nível nas plataformas. Ele vai sair do papel.
Por Evelise Grunow
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 353 Julho de 2009

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