Cotejar diferentes olhares a respeito do tema geral escolhido para a 13ª BIA, o de Reconstrução – de projetos, processos, espaços e práticas sociais, durante e depois da pandemia de COVID-19 -, é o objetivo da realização do concurso. Os candidatos terão de 4 de novembro de 2020 até 24 de janeiro de 2021 para inscreverem as suas propostas, a serem analisadas por júri que está atualmente em processo de formatação. A relação dos jurados será divulgada em 15 de dezembro próximo.
Já na edição passada da BIA, realizada pela gestão do arquiteto Fernando Túlio no IABsp (desde janeiro de 2020 no seu segundo mandato na instituição), houve a realização de um concurso de co-curadoria, com treze propostas concorrentes. Mas há novidades importantes nos preparativos para a próxima bienal, notadamente a criação de uma Comissão de Acompanhamento composta por integrantes ou profissionais indicados por outras regionais do IAB, dez no total, de modo a garantir maior sinergia entre os Estados; e a definição prévia de dois territórios de realização do evento, em São Paulo: o eixo da Avenida Paulista e uma rede de equipamentos públicos e comunitários das zonas Norte e Leste da cidade onde o IABsp tem desenvolvido, em parceria com as lideranças locais e com o Pacto pelas Cidades Justas, projetos integrados de transformação urbana e ambiental.
Em conjunto, qual o significado dos cinco eixos articuladores propostos para as candidaturas à co-curadoria da 13ª BIA? Que tipo de evento se quer construir com tal leque temático?
Sabrina Fontenele Entendemos os cinco eixos norteadores como convites a recortes e a narrativas diversas. São questões que nos inquietam tendo em vista o contexto de forte transformação que a pandemia nos obrigou a passar e a necessidade de repensar a relação com as cidades. Os eixos norteadores podem ser selecionados individualmente ou articulados entre si, de maneira a criar recortes curatoriais diversos que apresentem diferentes visões sobre a “Reconstrução” das práticas e dos espaços nas cidades. Cabe a cada equipe ou profissional proponente propor suas narrativas a partir desses eixos e dos territórios.
O que você destacaria do ciclo de debates realizados entre julho e agosto passados a fim de se refletir sobre a essência das exposições de arte e de arquitetura? Como eles contribuíram (questões pontuais ou não) para a configuração dos cinco eixos referenciais da curadoria?
SF A construção dos debates preparatórios do concurso ocorreu quase que simultaneamente à discussão dos eixos norteadores da 13ª Bienal.
Os dois primeiros debates tinham como objetivo fazer um balanço das representações internacionais do Brasil (no caso da Bienal de Artes ou na curadoria do núcleo São Paulo na Bienal do Chile ou do Pavilhão do Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza) e da relevância das Bienais de Arquitetura – e não só delas, mas também das exposições – dentro deste contexto de crise global em que vivemos. Algumas questões interessantes ficaram evidentes, como nos mostrou a fala do Paulo Tavares – curador da Bienal de Chicago – quando demonstrou que várias das manifestações por espaço e por acesso a direitos já estavam postas no final de 2019. Hoje, quase todas as Bienais encaram – espontânea ou intencionalmente – a questão da vida coletiva em espaços públicos e privados. Desde o princípio tínhamos em mente as ameaças de recessão democrática e a repercussão da pandemia de Covid-19 em nossas vidas cotidianas e a luta pela sobrevivência na cidade ou no campo em meio a essa crise. Diante disso, a proposta para o último debate foi abrir a discussão desse contexto, partindo dos eixos propostos para o concurso de co-curadoria. Elegemos corpos e democracia e convidamos personalidades que estão participando ativamente do debate para pensar esses temas, estimulando uma conversa além da área específica da arquitetura: o filósofo Marcos Nobre, o psicólogo Christian Dunker e a urbanista Tainá de Paula. Foi um debate interessante com profissionais com visões bastante diversas sobre a cidade como campo de disputa.
Desde o princípio tínhamos em mente as ameaças de recessão democrática e a repercussão da pandemia de Covid-19 em nossas vidas cotidianas e a luta pela sobrevivência na cidade ou no campo em meio a essa crise”
O concurso de co-curadoria foi lançado em 4 de novembro e pouco menos de quatro meses depois, em 21 de fevereiro de 2021, é que serão divulgadas as 4 propostas finalistas. Parece um prazo longo de análise, qual o motivo?
SF Tivemos algumas alterações de cronograma ao longo do processo buscando deixar o máximo de tempo possível para consulta e para que as equipes tivessem o máximo de tempo para a construção das propostas – considerando, mais uma vez o contexto da pandemia, das relações de trabalho e de encontro terem sido modificadas. Assim, a submissão de propostas até dia 24 de janeiro de 2021 e o resultado deverá ser divulgado em abril de 2021. Teremos quase dois meses para as equipes e os profissionais submeterem suas propostas. Entre o fechamento do processo até o anúncio da seleção, temos a checagem de documentos pela Comissão Organizadora do concurso, as reuniões à distância do júri – que também vai exigir uma mudança nos formatos de discussão, uma vez que não serão presenciais – entrevistas com as quatro equipes ou profissionais pré-selecionados e, enfim, uma decisão.
Porque selecionar 4 propostas, submetê-las ao escrutínio do júri para, então, decidir-se pela proposta vencedora?
SF Esse processo é semelhante ao do concurso anterior. A ideia é que as quatro equipes possam apresentar com mais profundidade suas propostas e esclarecer eventuais questões em uma entrevista realizada com os nove membros do júri. Costuma ser um momento rico de troca onde é possível ampliar o entendimento além do limite de páginas e imagens exigidas no edital e que se mostrou decisivo na edição passada.
A composição do júri será divulgada em dezembro. Poderia nos adiantar quais os critérios estão sendo usados para a sua escolha, como experiências profissionais, procedências, etc?
SF Estamos planejando que o júri seja composto por 9 integrantes. Esses profissionais devem contemplar de forma significativa os seguintes conteúdos fundamentais:
• Valorização enfática da democracia e a importância da arquitetura e urbanismo para esta dimensão;
• Centralidade de questões de gênero e seus reflexos nos ambientes construídos;
• Centralidade de questões raciais e processos de decolonização nos ambientes construídos;
• Centralidade de questões da produção do espaço, direito à cidade, disputas mercantis e lógicas particulares de propriedade do espaço sobre interesses coletivos e direitos difusos;
• Centralidade da promoção do desenvolvimento econômico sustentável, mudanças climáticas e cadeias produtivas da arquitetura e urbanismo.
Além disso, a escolha dos nomes tem como um dos critérios principais a representatividade (por gênero, raça, regionalidade), questão que a gestão atual do IABsp tem dado bastante atenção. Temos também levado em consideração a presença de nomes bastante respeitados e conhecidos pela comunidade arquitetônica, mas também nomes cuja formação e/ou campo de atuação não sejam explicitamente a arquitetura e urbanismo, que possam, por sua vez, ampliar o debate.
Esta será a terceira edição da bienal fora do Parque Ibirapuera e, ainda, dispersa pela cidade de São Paulo. Quais os acertos/erros das duas edições anteriores que estão sendo levados em consideração pelos organizadores da 13ª BIA?
SF A experiência de descentralização implementada desde a décima edição foi sem dúvida um acerto, porque a cidade é múltipla – e a discussão sobre ela não deve estar centralizada. A possibilidade de levar as Bienais de Arquitetura para fora do Parque Ibirapuera estimula a discussão de arquitetura para outros campos também, especialmente quando bem articulado com um programa educativo interessante. Esta edição está sendo construída pensando nos acertos da 11ª. Bienal – que ocorreu em espaços fora do centro expandido de São Paulo – e na da 12ª edição que se desenvolveu em equipamentos culturais importantes e facilmente acessíveis. A escolha pelo eixo da avenida Paulista aproxima-se das temáticas levantadas pela própria Bienal, é um espaço de práticas sociais e culturais múltiplas e palco de disputas políticas relevantes na última década. Enquanto dos núcleos em rede permitem articular pesquisas e trabalhos que o IAB está desenvolvendo em diálogo com as comunidades locais.
A experiência de descentralização implementada desde a décima edição foi sem dúvida um acerto, porque a cidade é múltipla – e a discussão sobre ela não deve estar centralizada”
Porque pensar em um modelo válido, ao menos, para as 5 próximas edições do evento?
SF A construção de uma Bienal Internacional de Arquitetura é um evento que exige um grande esforço intelectual, financeiro e logístico. A ideia para esta edição é garantir parcerias institucionais que possam se repetir nas próximas edições a partir da realização de pesquisa, projetos, ações educativas ou garantindo espaços de debates e exposições. Neste momento, estamos trabalhando com algumas organizações em diálogo com as comunidades locais nos núcleos em rede, promovendo pesquisa e potencializando transformação de maneira conjunta. Os resultados deste processo, iniciado este ano, deverão ser apresentados na Bienal de 2022, mas poderá também gerar outros efeitos que poderão ser vislumbrados nas Bienais de 2024, 2026 etc.
Frente às limitações de deslocamento por causa da pandemia do Covid-19, eventos no mundo inteiro estão sendo reinventados para assumir forma híbrida de realização: presencial e virtual. Esperamos que esta não seja uma necessidade de 2022 mas, de qualquer forma, você acredita que as experimentações atuais serão úteis para eventos como a bienal de arquitetura daqui para frente?
SF Os grandes eventos internacionais – não somente as bienais de arte e de arquitetura, mas também Jogos Olímpicos, grandes espetáculos artísticos etc – precisaram encarar esta desafiadora realidade. O deslocamento dos visitantes pelos pavilhões, pelos núcleos ou pelas cidades para vislumbrar as discussões promovidas pelas bienais terão que ser adequados. Temos visto soluções como a da Bienal Panamericana de Quito, que se apresentará em um formato completamente remoto, ou como a da Bienal de Tieblisi inaugurada recentemente em formato digital e presencial. Nos dois casos, novos formatos privam-se da apreensão in locodos espaços expositivos, nos entanto, possibilitam um alcance ainda maior pelo público de fora dos países sedes e com restrição às viagens internacionais.
Esperamos que até 2022 a pandemia de Covid-19 esteja controlada e que os deslocamentos pelos espaços de exposição possam ocorrer, assim como os debates, conferências e discussões presenciais. No entanto, me parece que esta realidade que vivemos, onde os encontros ocorrem de forma remota, nos mostrou os potenciais de alcance até então pouco vislumbrados. A experiência com os debates preparatórios, por exemplo, nos mostrou que pode ser agregador e convidativo as atividades no modo digital. Por exemplo, o segundo debate preparatório da Bienal ocorreu com a presença de um profissional em Lisboa, outro em Brasília e outro em Quito, o que tornou a conversa ainda mais rica e interessante, possível de assistir e participar a qualquer pessoa com acesso à internet. Acredito que essa lição poderá ser incorporada em atividades da Bienal que possam acontecer de maneira remota, em algum núcleo ou trazendo parte da exposição ou dos debates para esse contexto digital. (Por Evelise Grunow)
Sabrina Fontenele é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado e doutorado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). É diretora de Cultura do Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento São Paulo onde atua como responsável pelos projetos relacionados ao acervo do órgão, programação cultural e editorial (2020-22) e como curadora residente da 13ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo.