Entrevista – Jorge Wilheim

O arquiteto Jorge Wilheim já ocupou diversos cargos públicos - foi secretário do governo paulista de Paulo Egydio Martins, nos anos 70, e secretário municipal de Planejamento no governo Mário Covas, no início da década de 80. Ele retorna à área governamental na administração petista de São Paulo, para assumir a importante Secretaria do Planejamento (Sempla). Autor do Projeto Belezura, Wilheim pretende recuperar, num primeiro momento de sua gestão, com operações simbólicas de limpeza de edifícios e espaços públicos, o carinho dos paulistanos por sua cidade. O arquiteto promete enviar à Câmara, ainda este ano, os projetos de criação das subprefeituras (primeiro passo para a descentralização administrativa) e do tão esperado - o último data de 1971 - plano diretor de São Paulo.

Qual o horizonte de planejamento para a cidade de São Paulo na atual administração?
Logo de início, a prefeita assinalou, com muita clareza, a importância de sua administração trabalhar em sinergia, isto é, de as várias secretarias agirem em conjunto. À Sempla coube a tarefa de estabelecer sua forma de atuação em conjunto com as secretarias de Habitação, Meio Ambiente, Transporte e Infra-Estrutura. Nossos objetivos, obviamente, não são os mesmos, mas as equipes deverão atuar unidas.

Com relação às administrações das quais o senhor participou, as perspectivas da atual são melhores?
Na área pública trabalhei no Estado, na prefeitura – onde ocupei, na gestão de Mário Covas, o mesmo cargo que agora – e, por último, na Organização das Nações Unidas entre 1993 e 1996. Na atual administração, destacam-se a personalidade forte e a visão moderna de Marta Suplicy, imprescindíveis para enfrentar os problemas que a cidade atravessa. Sua abertura a inovações é importante neste momento difícil, porque São Paulo está hoje muito pior do que no tempo de Covas.

Em suas experiências na área pública, o senhor atuou junto a administrações de direita, de centro e agora de esquerda. Seu trabalho se adaptou a essas mudanças sem problema?
Não podemos simplificar exageradamente. Nunca trabalhei em governo de direita. Fui secretário do governo Paulo Egydio Martins quando a posição do [ex-presidente Ernesto] Geisel, por quem ele fora indicado, estava à esquerda da linha do [general Emílio Garrastazu] Médici. Naquela ocasião, tratava-se de colocar no escanteio a chamada linha dura, para uma redemocratização, que Geisel desejava lenta e gradual, embora nós a quiséssemos rápida. Havia a perspectiva liberalizante e por isso fui convidado. Organizava, a cada ano, um grande seminário sobre as alternativas de desenvolvimento, em políticas urbanas e de energia, tecnologia ligada à natureza e também de economia. Nessa época criei o Procon, a Fundação Seade e ainda o que hoje se chama de vale-transporte. Esses desempenhos não são típicos de uma pessoa que tenha postura de direita.

O convite para atuar nesta administração surgiu de sua relação de amizade com Marta Suplicy?
Tinha proposto a Marta que, se ela fosse candidata, poderia ajudá-la com os conhecimentos que tenho da cidade. Quando ela se candidatou, liguei-me ao Instituto Florestan Fernandes, criado na ocasião, e procurei colaborar no que me foi possível.

De que forma o trabalho do Instituto Florestan Fernandes poderá ser utilizado na cidade?
Um dos estudos com que colaborei no instituto foi sobre as intervenções na paisagem de São Paulo, que a prefeita logo passou a chamar de Projeto Belezura. Nesse trabalho, desenvolvo alguns conceitos sobre a importância da paisagem no cotidiano das pessoas. A paisagem urbana, na minha opinião, é um direito do cidadão. E a percepção que o indivíduo tem de sua cidade – se feia ou bonita – repercute em sua qualidade de vida. Essas coisas agora refluem na ação da Secretaria de Planejamento e estão sendo tratadas de imediato.

Quais são os projetos propostos?
Já elaboramos um projeto de lei sobre paisagem urbana, em discussão na Câmara Municipal, e passamos a interferir no caos da cidade. A prefeita exigiu providências urgentes para resolver a situação herdada, de cidade abandonada, onde reina o vale-tudo, e, logo nos primeiros dias, identificamos 600 outdoors em áreas públicas, que já estão sendo retirados. A limpeza do estádio do Pacaembu foi uma operação simbólica e também fez parte do Projeto Belezura. Em três horas, as paredes do estádio foram limpas e o lixo retirado. Sabemos que nos quatro anos da gestão não teremos sempre tinta e mão-de-obra gratuita. A parceria com o setor privado não pode ser sempre com doações e voluntariado. Mas, depois, São Paulo certamente contará com recursos próprios para solucionar seus problemas.

Quais as metas estabelecidas para o planejamento da cidade?
A sinergia que caracteriza a atual administração, na prática, equivale ao aban- dono da velha política de feudalização dos vários setores da prefeitura. A criação das subprefeituras fortalecerá a ação mais próxima do cida- dão. No fim deste semestre, o Executivo enviará à Câmara projeto nesse sentido. Pretendemos avançar o mais rápido possível, pois sabemos que uma coisa é implantar as subprefeituras, outra é realizar, na prática, a descentralização administrativa. Esse tema ocupará toda a gestão e certamente criará uma nova realidade político-administrativa para São Paulo, inovadora e mais adequada ao tamanho da cidade e da sua população.

Há outros projetos urgentes?
Outra tarefa urgente é elaborar, aprovar e pôr em prática o plano diretor. Não começaremos do zero, porque há muitos estudos da própria secretaria. Eu mesmo dirigi a elaboração de um plano na gestão Covas, que foi bastante debatido e aprovado popularmente, mas não chegou a ser discutido na Câmara. Claro que 15 anos depois muita coisa mudou e algumas das suas diretrizes já foram implantadas. Há ainda estudos pontuais de técnicos da própria Sempla e de outros órgãos que precisam ser reavaliados. Até o final do ano o projeto do plano diretor estará na Câmara.

O plano será geral ou descerá a problemas específicos da cidade?
A idéia é dividi-lo em duas partes: a primeira tratará das políticas e estratégias de desenvolvimento, com todas as diretrizes para as diversas atividades do setor público. São princípios gerais nos quais aprofundamos o que a Lei Orgânica do Município já determinou em 1989. A segunda parte é uma clara diretriz física, de uso do solo, operações urbanas, vias estruturais, grandes corredores e áreas verdes, para um horizonte provavelmente de dez anos.

Questões de zoneamento, como a da transformação de vias residenciais em comerciais, serão tratadas?
Pensamos – e essa será uma tarefa paralela à elaboração do plano – em trabalhar muito a questão das operações urbanas e dos corredores. Elas são importantes porque representam o encontro de interesses dos setores público e privado. Os recursos financeiros originários da montagem dessas operações são, muitas vezes, do setor privado, mas a valorização da área resulta de determinações legais da prefeitura, como as que dizem respeito ao uso de solo e transferência de potencial construtivo. No enfoque do plano diretor, essas operações adquirem o papel de instrumento de gestão de capitalização de bairro e de corredores. Esse conceito de operação urbana é mais amplo do que o utilizado nos últimos tempos e retoma a visão anterior, que a considerava um fator de dinamização da cidade.

E os corredores?
Nós nos referimos não apenas aos corredores comerciais no meio de zonas residenciais, mas também aos de transportes de massa, como metrô e de ônibus, em faixa própria, que determinam – e dinamizam ao longo do eixo – uma série de atividades muito especiais. A questão dos corredores comerciais em zonas residenciais diz respeito à preservação da habitabilidade, devido à elevação da taxa de motorização da cidade. Estamos nos reunindo com representantes das associações de moradores das zonas 1 para discutir esse tipo de problema. Ninguém quer atrapalhar a habitabilidade de uma ZI, queremos mantê-la, mas temos de enfrentar um dado da realidade, que é o aumento da taxa de motorização de São Paulo, muito superior à da época em que a Lei de Zoneamento foi aprovada.

A administração anterior falava de possível operação urbana no eixo do Tamanduateí. O que o senhor pensa disso?
Estamos começando a trabalhar na fixação das operações urbanas mais urgentes. Já temos quatro em estudo e que serão retomadas: Faria Lima, Centro, Água Branca e Águas Espraiadas. Há outras e o vale do Tamanduateí será possivelmente uma delas.

Quais os problemas urbanos que mais o incomodam em São Paulo?De forma geral, é a perda e a deterioração dos espaços públicos. Aquilo que deveria ser o espaço de todos virou terra de ninguém. A tendência cau- sada pela insegurança pública, com as pessoas se fechando em condomínios e casas cercadas, na realidade aumentou o problema. Não há nada mais  inseguro do que uma rua deserta, onde as pessoas passam apressadamente e não há presença da prefeitu-ra nem de autoridade. Se o setor público não demonstra seu poder nas áreas públicas, outros poderes comparecem, e geralmente não são bons. E chegamos a um nível insuportável de congestionamento nos transportes, sem perspectivas de solução a curto prazo. O ritmo da ampliação de transportes de massa, basicamente o metrô, é muito vagaroso em São Paulo. Só nos resta o ônibus, que não pode circular em faixa própria. E sem isso não há como ele ser pontual. E se não é pontual não serve.

Os corredores exclusivos são mesmo necessários? Alguns não solucionaram o problema e deram um aspecto muito feio à cidade…
O corredor urbano deve pegar as ruas ao lado, o quarteirão ao lado, e em alguns casos até dois quarteirões ao lado. O corredor deve ser muito mais largo, muito mais bem planejado. No caso do corredor da avenida Santo Amaro, por exemplo, em que a faixa carroçável de ônibus é estreita e a calçada que sobra é pequena, claro que o comércio deveria ter se voltado para dentro da quadra. É preciso estimular sempre outras formas de utilização mais interessantes. São Paulo precisa ser vista muito cuidadosamente, pois se trata da segunda cidade do mundo. Muitas vezes, quem estava na prefeitura olhava para a cidade e sugeria soluções mesquinhas, provincianas, não na escala de uma metrópole mundial. O administrador precisa ter generosidade, pensar grande.

Como os arquitetos da cidade poderão ajudar a pensar São Paulo? Eles serão chamados a colaborar?
Confio inteiramente na capacidade e no talento dos arquitetos, que tanto no setor privado quanto no público podem tornar a cidade mais bonita e melhor. Para isso, na medida do possível, a prefeitura, através da Empresa Municipal de Urbanização, mobilizará equipes de arquitetos para o atendimento às subprefeituras. Precisamos dar qualidade à cidade e, para isso, é vital a participação desses profissionais, principalmente no desenho urbano. A cidade necessita de desenho urbano de melhor qualidade, correto, adequado, com escala. E as operações urbanas podem abrir perspectivas para projetos de grande importância. Como qualquer metrópole, São Paulo deve ter obras que se destaquem pela boa arquitetura. E elas são raras na cidade, que precisa de projetos que sirvam de referência e de estímulo aos jovens arquitetos. Nos últimos anos, a operação urbana ficou limitada a determinar algumas obras viárias e a transferir potencial construtivo para permitir que empreendedores imobiliários construíssem mais alguns metros do que o permitido pela Lei de Zoneamento. O mecanismo é bom como sistema, mas foi posto a serviço de revitalizações pequenas, que não resultaram em espaços públicos importantes, como praças, passeios, pontos de encontro, ou mesmo estacionamentos. Não entendo por que a Operação Faria Lima não projetou, ao longo da avenida, um estacionamento subterrâneo.

Muito discutido e nunca aprovado, o plano diretor terá condições de ser aprovado agora?
O plano não foi aprovado até hoje por falta de vontade política dos prefeitos e dos vereadores, não por falta de qualidades técnicas ou de discussões públicas. Agora não temos dúvida de que há vontade política por parte da prefeita e de grande parte dos vereadores. Desta vez o plano diretor sai.

A sua visão técnica de planejador não se chocará, em algum momento, com a visão mais social do Partido dos Trabalhadores, como no uso de imóveis da área central para habitação social?
Não sou filiado ao PT, mas isso não impede que não defendamos as mesmas teses. As divergências devem existir, pois não se trata de partido de pensamento único. O planejador precisa abordar os problemas com os pés no chão e suas decisões deverão ser forçosamente sociais. A qualificação do centro interessa a todos; não se trata de revitalização, pois a região é muito viva durante o dia. Só perde a vitalidade durante a noite e nos fins de semana, aumentando a sensação de insegurança. Essas atividades podem ser garantidas com o aumento de habitações. Como é o local da cidade mais bem servido pelos meios de transporte, faz sentido levar para lá a habitação popular. Há grandes áreas nos bairros centrais que estão subutilizadas e poderiam ter densidade bem maior. Não se trata de fazer grandes conjuntos, pois a área já está ocupada. O ideal seria aproveitar melhor alguns terrenos ou zonas em trans- formação para implantar habitações. Outra hipótese é transformar em escolas edifícios subutilizados. E onde tem estudante tem bar, café, jornaleiro, livraria. Outra idéia seria elevar a qualidade dos equipamentos de cinema e teatro da área. De qualquer forma, a mistura de classes sociais deve ser garantida. E estacionamentos subterrâneos permitiriam melhorar o acesso ao centro. É preciso disciplinar o comércio de rua: ele não pode existir no eixo do pátio do Colégio, praça da Sé e largo do Arouche. Uma das alternativas a esses comerciantes seriam os shoppings populares, nos térreos de edifícios, como já ocorre em pontos da cidade.

A cada início de administração há a promessa de transferir a zona cerealista para outro ponto da cidade. No final, fica tudo como antes. O senhor tem planos para a região?
A minha intenção é fazer ali uma operação urbana para transformar o local em bairro residencial; isso só será possível depois de longa negociação com os comerciantes da área. A dificuldade é o mecanismo a ser utilizado. Os lotes são de propriedade privada e a prefeitura terá de transferir a zona cerealista para outro lugar. Uma hipótese é tornar os comerciantes sócios da operação; eles entrariam com os terrenos como capital. (Por Adilson Melendez, Éride Moura e Fernando Serapião)

 

Jorge Wilheim nasceu em Trieste, Itália, e chegou ao Brasil com a família, aos dez anos, fugindo da Segunda Guerra Mundial. Graduou-se em arquitetura pela FAU/Mackenzie (1952) e sempre atuou nas áreas de urbanização e planejamento urbano. É autor dos projetos de urbanismo do pátio do Colégio e do vale do Anhangabaú, em São Paulo, e participou do planejamento das cidades de Curitiba e Joinvile, SC. É autor dos projetos do Parque Anhembi (1965/72, com Miguel Juliano) e da sede da Fapesp (1975, com Leo Tomchinsky e Sueli Suchodolski), entre outros.

 

Publicada originalmente na revista PROJETO edição 253 – Março 2001

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