No panteão da arquitetura moderna carioca desponta uma figura feminina: Carmen Portinho. Todavia, não é arquiteta: é engenheira civil por formação. Urbanista com título obtido mediante defesa de tese. Crítica de arte, promotora do desenho industrial no Brasil. Funcionária pública de carreira, sua atividade junto à prefeitura do então Distrito Federal, a partir dos anos 30, gerou algumas referências da arquitetura moderna: a edição da Revista de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal – a primeira publicação regular a divulgar projetos dos arquitetos modernos cariocas – e, mais tarde, a organização do Departamento de Habitação Popular, mentor do Conjunto Residencial Pedregulho, da Marquês de São Vicente (projetos de Affonso Eduardo Reidy), da Visconde de Santa Isabel e de Paquetá (projetados por Francisco Bolonha).
Nesta entrevista – concedida em julho de 1987 -, Carmen Portinho nos relata essa longa convivência com os arquitetos modernos -sobretudo com Affonso Eduardo Reidy -, a introdução do desenho industrial no Brasil, seus contatos com Le Corbusier e outros episódios da crônica da arquitetura moderna brasileira.
A senhora formou-se num curso de engenharia. No entanto, desde longa data tem um trânsito muito bom e sempre se interessou pelas coisas de-arquitetura e pelo desenho industrial, de uma forma bastante radical. Poderia falar um pouco sobre essa sua formação e sua preocupação com essas áreas?
Eu me formei em engenharia civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, entrei para a prefeitura do então Distrito Federal e fui designada para trabalhar em construção civil. Comecei a trabalhar, fiz várias construções – entre elas, a que me deu mais prazer, a que me entusiasmou mais foi o Conjunto Residencial Pedregulho, cujo projeto é do arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Pedregulho me entusiasmou demais. O projeto do Reidy também. Eu, anteriormente, ou durante certo tempo, freqüentei a Escola Nacional de Belas-Artes, porque pretendia me formar em arquitetura, também. Fiz dois anos. Tenho uma certa sensibilidade para artes plásticas: sou crítica de arte, sou da Associação Internacional de Críticos de Arte. Naturalmente, uma pessoa que tem sensibilidade para artes, e principalmente artes plásticas, não pode cingir seu universo à engenharia, somente. Tive forçosamente que me interessar por arquitetura. Acho que a arquitetura e as artes plásticas estão integradas, é uma integração natural. Você não pode produzir um projeto e divorciá-lo da pintura, da escultura, enfim, de tudo. Aliás, é o caso de Le Corbusier, que nos deu um grande exemplo no Brasil. Le Corbusier foi um genial arquiteto que sempre pregou a integração das artes plásticas.

Em tudo que fazia ele também introduzia as artes plásticas. Foi pintor, foi escultor, fez tapeçaria etc. Não era engenheiro, mas tinha noções de engenharia. Ao contrário, eu como engenheira comecei a me interessar pela arquitetura, trabalhando com o Reidy: eu fazia quase sempre as suas construções. A parte de engenharia competia a mim, e a ele, a arquitetônica. Depois veio o desenho industrial. Naturalmente, o desenho industrial está ligado a isso tudo. Fui diretora do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Dirigi durante certo tempo a construção do edifício do Museu de Arte Moderna. Na Bienal de São Paulo, no início dos anos 50, expusemos o projeto de Pedregulho, que tinha recebido o primeiro prêmio de arquitetura. Da comissão julgadora faziam parte grandes arquitetos de renome internacional. Desde então tivemos muito contato com Max Bill, que tinha na cabeça, naquela ocasião, o projeto da Escola de Ulm, da qual foi o primeiro reitor. Mostrou-se entusiasmado com Pedregulho e conversou muito conosco, sobre desenho industrial. E não sei como é que foi – se partiu dele ou de nós -, mas dessa conversa saiu a idéia de fundar, dentro do Museu de Arte Moderna, uma escola de desenho industrial, de nível superior. Depois veio o Tomás Maldonado, que o substituiu em Ulm, que também passou pelo Brasil e nos deu muito apoio junto à diretoria do museu e junto a todos os artistas para a instalação de uma escola de desenho industrial no museu. Fizemos os primeiros estudos; o Reidy incluiu no projeto arquitetônico do MAM um “bloco-escola”, onde iria funcionar a escola de desenho industrial, que seria chamada de Escola Técnica de Criação. Aqui ninguém sabia o que era desenho industrial, mas foi nessa ocasião que se lançou a idéia – no Museu de Arte Moderna – da instalação de uma escola desse tipo. Acontece que o museu estava com muitas dificuldades financeiras. Não tinha dinheiro suficiente para se manter. O projeto da sede estava sendo construído. Então, o secretário de Educação, que era membro do conselho deliberativo do museu, sugeriu ao governador – Carlos Lacerda – a fundação dessa escola, que já tinha o planejamento todo pronto. E a escola foi criada. Mais tarde deixei o Museu de Arte Moderna e o segundo diretor da escola – o arquiteto Flávio de Aquino – pediu demissão ao governador de então, Negrão de Lima, que se lembrou de me nomear diretora da escola. Eu já tinha estado às voltas com esse problema no MAM. Foi assim que cheguei à sua direção.
A partir de uma conversa com Max Bill é que surgiu a idéia de fundar, dentro do MAM/RJ, uma escola de desenho industrial.
Nos anos 30, 40, a revista da prefeitura do Distrito Federal, a PDF, foi um dos grandes veículos de divulgação da arquitetura moderna e a senhora, durante algum tempo, foi sua diretora.
Fui fundadora, secretária, redatora-chefe e depois diretora.
E como surgiu esse trabalho de divulgação da arquitetura moderna?
Eu tinha proposto ao diretor de obras criar uma revista, técnica e ele aceitou a idéia; e eu fundei a revista que era antes Revista da Diretoria de Engenharia e depois passou a se chamar PDF. Foi em 1934, mais ou menos.
A senhora já trabalhava na Diretoria de Engenharia?
Já havia uns sete ou oito anos que era engenheira lá. Então fiquei como secretária da revista porque secretária é sempre quem trabalha mais, faz e acontece, e estava muito interessada – foi antes de Pedregulho – na arquitetura moderna. Sempre fui uma pessoa que olha para o futuro. Floje, apesar de velha, o passado não me interessa muito – interessa sob o ponto de vista cultural, é evidente que a gente se inspira no passado, a gente procura conservar aquilo que tem de bom do passado e a gente toma lições, mas não vamos ficar admirando só o passado a vida toda: a gente tem que produzir para a frente. Eu vivia rodeada de arquitetos: o Reidy trabalhava comigo lá na prefeitura e por meio dele conheci o Lúcio Costa, conheci o Oscar Niemeyer, Jorge Moreira – enfim, essa gente toda que produzia, mas não tinha veículo de divulgação. Ora, a Revista de Engenharia e depois a PDF era um veículo de informação. Então, dividi a revista assim: primeiro arquitetura; depois urbanismo, construção, engenharia de estradas de rodagem etc. Dividi por assuntos técnicos. Naturalmente, cada seção seguia sua tendência. Eu procurava mais os projetos dos arquitetos modernos: convivia com eles quase diariamente e escolhia os trabalhos, convidava uns e outros, e sempre os publicava no começo da revista – pode notar isso nas revistas antigas -, sempre o primeiro assunto era arquitetura.
Eu vivia rodeada de arquitetos: o Reidy trabalhava comigo na prefeitura e por meio dele conheci o Lúcio Costa, o Oscar Niemeyer, o Jorge Moreira – essa gente que produzia, mas não tinha veículo de divulgação.
Qual foi seu primeiro contato com a arquitetura moderna?
Teoricamente foi com os primeiros livros de Le Corbusier: mal eram editados e eu os lia todos. Só existiam no começo em francês, mas, como falo francês bem, eu lia tudo de Le Corbusier.
Desde os tempos de estudante a senhora tinha contato com a obra dele ou isso foi posterior, já na vida profissional?
Acho que li alguma coisa dele quando estudante porque fui à Europa só durante e depois da guerra; até então, só tinha ido aos Estados Unidos para um congresso de estradas de rodagem, onde tive notícias sobre o trabalho dele. Mas acho que já tinha notícias antes, não posso precisar exatamente: aquilo foi tão natural, os livros de Le Corbusier foram saindo e eu os comprava aqui e ia lendo. Não havia traduções como hoje existem.
E essas leituras foram importantes para a senhora?
Sim, muito importantes: deram uma orientação decisiva na minha vida profissional. Tanto que, quando na universidade do então Distrito Federal se fundou um curso de urbanismo a nível de pós-graduação, eu me matriculei logo na primeira turma. Freqüentei três anos, defendi a tese e tirei o diploma de urbanista. Minha tese foi inteiramente baseada nos princípios de Le Corbusier e meu tema era ‘Anteprojeto para a Futura Capital do Brasil no Planalto Central” – muito antes de Juscelino resolver o problema da futura capital eu já conhecia o artigo 3.° da Constituição brasileira que deliberava que a capital do Brasil fosse transferida para o planalto central. Isso foi em 1934 ou 1935.

A senhora teve sempre contato com os arquitetos modernos, com Le Corbusier. Na sua opinião, qual foi a importância de Le Corbusier para a arquitetura brasileira?
Foi total. Muitos arquitetos tiveram uma certa influência de Mies van der Rohe, outros de Frank Lloyd Wright, mas eram influências menores. Já Le Corbusier, junto aos arquitetos modernos brasileiros, era a única palavra, era só nele que eles se influenciavam.
Quando Le Corbusier esteve aqui em 1929, a senhora teve contato com ele, assistiu à palestra dele?
Ah, sim, assisti. Ele fez uma palestra no Instituto de Música. Claro que fui, mas eu já tinha lido os livros dele, já conhecia tudo que ele tinha publicado até aquela ocasião.
Qual foi sua impressão e a reação do público, então?
Minha impressão foi de entusiasmo, claro. A reação do público foi muito boa, mesmo porque o público que assistiu à conferência era constituído não só dos arquitetos modernos como de estudantes. Mesmo a escola de arquitetura estava sofrendo uma influência de Le Corbusier: já estavam fervendo entre os estudantes as idéias modernas.
“Como esses jovens conseguiram fazer num país como o Brasil uma coisa que eu não consigo fazer aqui na Europa?”, perguntou Le Corbusier, a respeito do Ministério da Educação e Saúde.


E depois, em 1936, Le Corbusier veio novamente para trabalhar no projeto do Ministério da Educação e Saúde.
Claro, porque o Capanema tinha feito um concurso para o prédio do ministério, e muitos arquitetos acadêmicos dele participaram. Mas foi um fracasso: os projetos vencedores não eram bons. E o Capanema – que era um sujeito muito adiantado – chamou o Lúcio Costa e pediu a ele para constituir uma equipe para fazer o projeto do ministério, anulando o concurso. Essa equipe – Lúcio Costa, Ernani Vasconcellos, Jorge Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Oscar Niemeyer e Carlos Leão – lembrou ao Capanema a conveniência de convidar Le Corbusier para vir aqui, orientá-los sobre o projeto. Le Corbusier veio, trabalhou com eles um mês, se não me engano, e fez um anteprojeto para o ministério para um local perto de onde hoje funciona o Museu de Arte Moderna, próximo do aeroporto. Esse projeto era feito no sentido horizontal. Depois Le Corbusier foi embora, veio a mudança do terreno e o projeto dessa equipe teve que mudar, mais para o sentido vertical, mas seguindo religiosamente todos os princípios de Le Corbusier. Veio a guerra e eles perderam contato com Le Corbusier, mesmo pelo correio ou qualquer outro meio, porque naquele tempo era difícil a comunicação com a Europa. Então eles, perdendo o contato, fizeram o projeto sozinhos, seguindo entretanto os princípios de Le Corbusier, a orientação que ele dera quando esteve aqui, e do projeto que ele tinha feito. Concluída a construção do edifício, deu-se uma coisa muito engraçada. Eu me candidatei a uma bolsa, durante a guerra, para ir à Inglaterra, porque lá as cidades estavam quase todas destruídas, bombardeadas, e mesmo durante o conflito havia comissões e mais comissões de planos de reconstrução dessas cidades. Então me candidatei a uma bolsa de estudos e o Conselho Britânico, tendo em vista os títulos que eu apresentava de engenheira e de urbanista, achou que não era o caso de bolsa, mas me convidou para ficar estagiando nessas diversas comissões. Percorri a Inglaterra toda e, quando a guerra acabou, em 1945, consegui uma licença para ir à França, porque eu queria encontrar-me com Le Corbusier. A embaixada do Brasil se empenhou e me deram o visto, e fui à França procurar diretamente Le Corbusier no seu ateliê-residência. Acontece que eu levava uma caixa de diapositivos sobre o Ministério da Educação, que já estava terminado. E aí mostrei a Le Corbusier. Ele levou um choque terrível. Não sabia que o Ministério da Educação tinha ficado pronto, que a obra era um sucesso e que aquela equipe que ele conhecia e com a qual teve contato conseguira, depois de alguns anos, construir o edifício. A reação dele foi muito violenta. A princípio tive a impressão de que não gostou daquilo, ele era um sujeito muito temperamental. E me disse: “Como esses jovens conseguiram fazer num país como o Brasil um coisa que não consigo fazer aqui na Europa? Todos os meus projetos são frustrados, me combatem, ninguém executa meus projetos, e esses novos fazem isso?” Claro que não respondi nada, fiquei olhando para ele. E ele continuava olhando os diapositivos. Cada um que olhava, ele se danava mais: porque tudo estava lá. Não estava o Le Corbusier do livro, não, estava o Le Corbusier da obra, do edifício. Quando ele acabou, veio outra reação. Já estava mais calmo e percebi que ele ficou não só calmo como contente, ele já tinha mudado. E começou a conversar muito comigo, e me mostrou seu ateliê. Na hora eu estava também um pouco perturbada com aquela reação dele, esperando que fosse ficar muito contente; mas no primeiro momento não ficou. Depois é que veio sua alegria. Percebeu que aquilo era uma vitória dele. Então me convidou para ir para á sala, me apresentou à mulher e, como eu vinha da Inglaterra, com um racionamento desgraçado (naquele tempo eu gostava muito de doce, principalmente chocolate, que ainda gosto), ela me ofereceu chocolate. Eu fiquei agradecida. Mostrou-me um painel que ele tinha na parede. Deveria ser tapeçaria, porque ele era contra painel de parede. Ele dizia que isso de painel na parede era da Renascença. Ele sempre trabalhou pensando no homem e, se este sai de uma casa para outra, leva aquela tapeçaria e vai pendurá-la em uma nova parede. Depois, então, ele me disse: “Vou lhe mostrar uma novidade. Estou inventando aqui uma coisa que se chama Modulor”. Aí ele pegou o Modulor que tinha desenhado, botou no chão e começou a me explicar para que servia aquela sua invenção. Isso foi em 1945. Mostrou-me que aquelas proporções todas eram feitas na escala humana. A Unidade de Marselha foi toda construída segundo o Modulor. Depois disso, voltei para o Brasil, contei para todo mundo sobre essa invenção. Le Corbusier consultou Einstein sobre o Modulor, tirou patente e tornou pública essa invenção, que hoje é tão útil para os arquitetos.
Trazia da Inglaterra uma idéia que vi lá e que se chamava unidade de vizinhança. O Conjunto Residencial Pedregulho nasceu dessa idéia.
O Conjunto Residencial Pedregulho foi uma experiência inédita no Rio de Janeiro e no Brasil enquanto resolução de programa arquitetônico e até construção. A senhora poderia falar um pouco sobre essa realização – como conseguiram, num curto espaço de tempo e, é claro, limitado por problemas políticos, realizar aquela obra?
Bom, primeiro foi trazer a idéia que não havia por aqui. Vim da Inglaterra cheia de idéias e trazia uma novidade que vi lá e que é a unidade de vizinhança. A Inglaterra estava projetando sua reconstrução; e estudava as unidades de vizinhança, que eram auto-suficientes. As habitações eram importantes e as unidades de vizinhança compreendiam tudo que era necessário para seus habitantes: a escola, que era o centro em torno do qual tudo devia girar; os prédios de abastecimento, os mercados, o atendimento de saúde, ambulatório, o lazer. Isso tudo porque a finalidade dessas unidades de vizinhança era social: ter a criança perto da mãe; que pudesse ir para a escola sem atravessar a rua nem ter perigo de vida; era a mulher que podia se abastecer no mercado próximo, ou quando a criança estava doente ser levada para o ambulatório ao lado, e assim por diante. Naturalmente, esses serviços comuns variavam de acordo com a população da unidade de vizinhança. Reunidas formavam a cidade e lá na Inglaterra havia cidades que tinham que se reconstruir inteiramente, eram um campo devastado pelas bombas. No meu regresso para cá preguei a unidade de vizinhança, que começamos a chamar – não sei de quem foi a idéia – de conjunto residencial. Consegui com o diretor de obras da prefeitura jogar minha idéia. Ele aceitou e formou logo um departamento chamado Departamento de Habitação Popular. O Brasil não estava destruído, mas não havia habitações para gente de salário baixo, como ainda não tem. Fui nomeada chefe na parte relativa a construção e depois acabei como diretora do departamento e aí começamos a agilizar as coisas. O Reidy, que foi nomeado chefe da parte de arquitetura, projetou o Conjunto Residencial Pedregulho, seguindo até certo ponto a orientação de Le Corbusier, mas dentro do problema social brasileiro, dos nossos problemas regionais, de clima etc., e assim começamos a lutar, lutar – não tínhamos dinheiro, íamos fazendo aos poucos, e aos poucos conseguimos. Não chegamos a acabar porque aquele prédio curvo lá de cima, quando deixei o departamento, não estava completamente concluído. Tínhamos projetado também o conjunto.da Gávea, que não foi terminado, e que desgraçadamente foi mutilado por um túnel que o atravessa. Pretendíamos, com esses conjuntos residenciais construídos em todo o Distrito Federal, resolver até certo ponto o problema de habitação para os funcionários da administração menos favorecidos. Mais tarde, o Banco Nacional da Habitação procurou também resolver o problema, sem sucesso, porque partiu de um princípio errado: o da casa própria, e a pessoa que realmente necessita, pobre, que tem salário baixo, não possui poder aquisitivo, não podia comprar, não pagava, era expulsa e ia embora, ficava sem habitação. Quer dizer, é um problema sem solução você querer impingir casa própria a quem não tem dinheiro para comprar. Esse é um dos nossos princípios sociais: a habitação é um serviço público.
Meus parabéns pelo Pedregulho. Assim que saí do aeroporto pedi para me levarem lá”, disse-me Le Corbusier.

O conjunto de Pedregulho foi revolucionário e o Max Bill ficou muito admirado com essa obra…
Foi. E Le Corbusier, sobretudo.
Ele comentou alguma coisa a respeito?
Comentou. Ele veio ao Brasil – foi da terceira, vez, acho que para ver Brasília, em 1962 -, eu era diretora do Museu de Arte Moderna na ocasião e lhe ofereci um almoço. Sentou perto de mim e disse: “Meus parabéns pelo Pedregulho’’, e tal… Eu disse: “O senhor viu o Pedregulho?” Ele respondeu: “Assim que saí do aeroporto pedi para me levarem lá”. Eu lhe disse: “Mas que coisa! Estou muito envergonhada porque não estou mais lá na direção e as autoridades não reconhecem o trabalho, não gastam nem um tostão em conservar aquilo e o deixam sem acabamento, botam moradores fora dos nossos princípios, que era só dar habitação para quem trabalhasse na PDF, numa área de no máximo trinta minutos de distância. Quer dizer, resolvíamos também o problema do trabalhador que tinha que se transportar até a habitação. Cada bairro devia ter um conjunto e aquele seria habitado por pessoas que trabalhassem perto. E estavam dando apartamentos por questões políticas”. E ele respondeu: “Não, essa coisa de conservação não interessa; interessa é a idéia que foi realizada. O que interessa é o que está realizado, bem conservado, bem pintado ou não, mas é o que interessa”. Quer dizer, o princípio – e ele era um homem de princípios.
E para Reidy quanto foram importantes esses princípios de Le Corbusier?
Para ele, foi toda a vida dele, porque praticamente ele se realizou com o ministério e daí em diante nunca mais fez um projeto fora dessa orientação. Todos os que fazia eram dentro dos princípios de Le Corbusier. Ele se tornou amigo dele e fez muita camaradagem com Le Corbusier.

Engenheira, urbanista, crítica de arte
Carmen Velasco Portinho diplomou-se engenheira civil pela Escola Politécnica da Universidade do Brasil e obteve o título de urbanista defendendo a tese “Anteprojeto para a Futura Capital do Brasil no Planalto Central’’ na Universidade do Distrito Federal, em meados dos anos 30, antecipando-se a Brasília.
Começou sua vida profissional como auxiliar técnica na antiga prefeitura do Distrito Federal, desenvolvendo sua carreira como funcionária pública. Foi diretora do Departamento de Habitação Popular no final dos anos 40 e início dos 50, quando coordenou e dirigiu as obras de algumas referências da arquitetura moderna – o Conjunto Residencial Pedregulho eoda Marquês de São Vicente, na Gávea, projetados pelo seu companheiro Affonso Eduardo Reidy, igualmente lotado como funcionário do departamento. Coordenou também as obras do prédio do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – projeto de Reidy -, do qual foi fundadora e diretora executiva.
A partir de 1967 e por muitos anos exerceu o cargo de diretora da Escola Superior de Desenho Industrial – da qual foi uma das promotoras -, concluindo sua última gestão no início de 1988.
Suas atividades como crítica de arte incluem a organização de inúmeras exposições e representações brasileiras em eventos artísticos internacionais, tendo participado de vários júris em salões nacionais e internacionais, premiações de artes plásticas e concursos públicos de arte e arquitetura.
Com seus múltiplos interesses, Carmen Portinho exerceu cargos em diversas entidades: presidente da Sociedade de Engenheiros da Prefeitura, vice-presidente do Sindicato de Engenheiros, membro do Conselho Superior do Clube de Engenharia, membro do conselho consultivo da Fundação da Casa Popular, membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte e fundadora de várias associações femininas, tendo representado as Associações Femininas do Brasil no Congresso Internacional Feminino de Paris e trabalhado pela luta dos direitos da mulher brasileira. (HS)
Publicada originalmente na revista PROJETO edição 111 – Junho 1988